Esperei a confirmação do que as aparências indicavam para manifestar minhas emoções. Por uma questão de convicção, não gosto de acusar ninguém sem que haja evidências de sua culpabilidade.
A reação nacional à morte da pequena Isabella é uma lavagem da nossa alma.Trata-se de uma morte cujos presumíveis assassinos são o pai e a madrasta de uma criança indefesa e praticada de maneira cruel e em articulada e criminosa parceria. O que ela sofreu naquela noite foi uma caminhada para a morte, com sessões contínuas de tortura. Esta morte nos horroriza e expõe a nossa humanidade, já tão desumanizada nestes tempos de insensibilidade generalizada. Não faço distinção entre quem é o maior responsável pela morte de Isabella, pra mim os dois são culpados, sendo o pai, por ser o pai, de fato, o maior culpado. Seja porque sua preocupação principal foi tentar ocultar a responsabilidade da mulher ao jogar pela janela a menina, quando imaginou que ela já havia morrido ao invés de gritar por socorro pra sua filha agonizante. Seja porque resiste a contar a verdade pra assumir a culpa por esse crime hediondo. E, sobretudo, pelo já comprovado pericialmente: que foi a queda que provocou a morte dessa pequena inocente.
Nesses vinte dias, sofri muito e sofro ainda, chorei e ainda choro, tive pesadelos, noites dormindo pouco, pensando na condição humana de bestialidade a que chegou o chamado ser humano. Não encontro respostas satisfatórias, mais uma vez, frente a este fato, para a pergunta que já me fiz muitas vezes na minha vida: o que de mais cruel habita potencialmente as mentes e corações de adultos que os levam a cometer atos tão violentos contra as crianças? E, em especial, meu Deus, o que pode explicar que pessoas que supostamente amam suas crianças as maltrate costumeiramente, levando-as até a morte? Como a família, que deve ser o lugar da proteção e da segurança infantil, pode se transformar no território da ameaça, da crueldade e até da morte. Por quê? Por quê?
Tenho buscado, dentro de mim, alguma explicação, à medida que vou sendo testemunha, nesses tempos macabros que vivemos, da violência contra as crianças, pelo nosso planeta afora. Uma das explicações que penso ter peso significativo, tem a ver com essa invencionice estúpida que os pais e/ou responsáveis podem agredir fisicamente os filhos, em nome de uma suposta educação. Onde surgiu isso, esse considerado direito? Em nome de qual teoria foi ele legitimado? Pergunto: qual o limite do tipo e dosagem que a utilização dessa ação covarde pode ser consentida, tolerada? Enfim, qual o real sentido do uso desse expediente agressivo senão fomentar na convivência com as crianças a cultura do medo, da opressão, em razão dos laços de pátrio poder, de responsabilidadesl pelas mesmas. Continuo especulando: o que é permitido nessa ação paterna/ materna? Somente puxar as orelhas, dar um tapinha nos ouvidos, uma sacudidela, um empurrãozinho? Ou também uma surra com cinturão do pai, com uma corda da mãe, um chinelo de ambos, uns tapas mais contundentes nas caras infantis, uma violenta puxada de cabelo, uns chutes no seu corpo?
Ora, meus caros, vamos convir, que bater ou não em alguém, é ou não é lícito. A classificação desse ato em graduação ou pós-graduação em violência, é conversa pra boi dormir. Sou e sempre fui radicalmente contra essa história de que criança deve apanhar pra ser melhor educada. Penso ser este o maior atestado da incompetência do ato de educar; é, também, a expressão da morada nos recônditos violentos dos pais que assim agem, da sua porção violenta, da resposta, através dos filhos e/ou parentes, às suas necessidades agressivas, descontando nos mesmos suas frustrações, sua vontade enviesada de bater em outros adultos, enfim, do extravasamento dos seus desejos de agressão. Afinal, esse alvo infantil não lhes causa nenhuma ameaça nem a possibilidade de alguma reação. Porque, sobretudo, contam com o silêncio da vítima que, por temor e por conta das recomendações ameaçadoras do agressor, não denuncia a ninguém sua condição de vítima na sua própria família.
E tem mais: a violência dos pais com os filhos se reproduz indefinidamente, pois, os filhos agredidos serão pais violentos e, assim por diante. É o palco mais eficiente de escola de violência.
Por tudo isso, essa é a maior das vilanias. Aquela de mais difícil enfrentamento. Por vezes, escondida e silenciosa. Nos quartos e salas de todas as classes sociais. De todo tipo de gente. Das também pessoas gentis e educados fora de seus lares. Dos que praticam credos religiosos de todo tipo. Dos que são adeptos de teorias revolucionários a favor dos explorados e oprimidos. Enfim, desse chamado ser humano que tem em casa um laboratório disponível, cujo pré-requisito é tão somente ter, adotar filhos ou cuidar de crianças por esse mundo sem Deus.
Denunciemos nossos vizinhos, desconhecidos e até nossos conhecidos, se por ventura identificarmos que uma criança, sob sua guarda, corre perigo. É o mínimo que podemos fazer para o enfrentamento dessa covarde vilania. E, em defesa efetiva dessas crianças.
De minha parte, estou envergonhada da minha espécie. E choro por todos nós, os seres ditos humanos.