sexta-feira, 19 de outubro de 2007

O CHARME DISCRETO DA VAIDADE

Certa vez uma amiga me falou:
- A nós da Academia só nos resta a vaidade. Nunca seremos ricos com o nosso ofício e dificilmente seremos poderosos.
Fiquei matutando durante muito tempo sobre essa afirmação e conclui que a Academia é o território, por excelência, do cultivo e vivência da vaidade, onde a ação do professor, de fato, está envolta nos seus feitiços.
Este defeito (ou pecado capital) tem uma característica que o põe em destaque histórico. Para a Igreja Católica, foi por vaidade que nos começos dos tempos, Lúcifer por excesso de auto-suficiência, proclamou-se em disputa com Deus. Donde se conclui que a vaidade não é um pecado qualquer, tem a ver diretamente com a briga dos donos do mundo, do Bem e do Mal, tornando-o um pecado para além de chique...
Na minha juventude, estudei em colégio católico e, vez por outra, escutava considerações sobre a vaidade. Em discussões sobre as pretensões dos católicos com a santidade, sempre vinha à tona a figura da vaidade como um empecilho para tal escalada, em razão de seu confronto com a humildade, apanágio dos santos. Daí em diante cultuei a vaidade como um pecadão, em razão do seu status de portador do embrião dos demais (porque sempre fui mais chegada à condição de pecadora...). Tal compreensão provocou em mim um certo fascínio, ao mesmo tempo que me envolvia num estranho temor. Hoje, já não tenho esses devaneios nem sou mais tão pecadora...rs.
Com o passar dos séculos, só cresceu o poder da vaidade e uma boa ilustração disso é a apropriação das suas artimanhas pela lógica capitalista. Nessa ótica, a vaidade não se constitui algo ruim, mas um combustível que movimenta e impulsiona a realização dos projetos das pessoas e da sociedade. Por exemplo, no centro da indústria do embelezamento está a utilização da vaidade, envolvendo múltiplas atividades e profissões que se nutrem hoje dessa nova onda lucrativa. Em síntese, vaidade nesse caso é um forte ingrediente de geração de emprego e renda, atestando até que ponto chegou a sua eclética funcionalidade.
No entanto, em que pese essa característica multifuncional da vaidade, há um fio condutor na sua caminhada – o caráter efêmero intrínseco à sua natureza. Com essa mensagem encerro essa nossa conversa com o belo poema:
Vaidade
(Florbela Espanca)

Sonho que sou uma Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...



3 comentários:

Anônimo disse...

Olá Rose,
Confesso que estava gostando muito desta etapa dos sentimentos, emoções
e paixões.A leveza das crônicas foi o grande atrativo, mas vou aguardar
com carinho este novo enfoque.
Um abraço
Jussara Mendes
22/10/2007 05:34

Anônimo disse...

Rose:
Adorei esta crônica. Ela tem um tom zombeteiro que eu adoro!!!Acho também que é porque é um tema que tem me tomado muito tempo emocional ultimamente.
Que belo poema!!! Lembrei-me do verso de Drummond que diz: tenho duas mãose o sentimento do mundo.
Costumava dizer à vendedora de lanches na UFF que a realidade era a sua lanchonete,quando subíamos os elevadores, tudo era abstração. Depois que perdi meu filhoestou sendo obrigada,pela catástrome, a medir a extensão e o vazio da vaidade em mim. É duro mas tem sido muito educativo.

Beijo, Lúcia Neves
24/10/2007 04:38

Anônimo disse...

Muito bom ler as suas reflexões../Gosto daquilo que me faz pensar e que nào é obvio!Continue escrevendo com o discurso que pensa a diferença,a semelhança e a mudança de postura na vida. Vale a pena!!!
UM abraço de um fã