sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

MALABARISTAS SEM FUTURO



Dias atrás num sinal de trânsito de uma rua qualquer do Rio de janeiro, uma cena me comoveu até às lágrimas: três crianças de idades diferentes faziam um malabarismo com uma velha bola de borracha. O primeiro no chão, outro em cima dos seus ombros e o terceiro também em cima do segundo. Era patético aquele arranjo porque as pernas, finas e tortas, dos que estavam no segundo e terceiro andares tremiam tanto, ameaçando a qualquer momento se esborracharem no chão. Nunca vou me esquecer do que vi quando aqueles múltiplos olhos cruzaram com os meus. Eram a tradução da mais pura tristeza e da vergonha que sentiam, expostos aos nossos indiferentes olhos cotidianos, acostumados com essa nova onda da miséria urbana.
Os movimentos dos malabaristas eram a expressão das suas vidas: feios, desengonçados, desarticulados. Da maneira que a vida os produziu. Cruel moldura da nossa omissão e do abandono dessas crianças sem amanhã.
Por muitos dias, aquela lembrança me incomodou, pela tristeza que emanava dela, pela mensagem da indiferença que as vitimou, pela naturalidade dos olhos públicos e privados como vêem os dramas humanos, no dia a dia.
Com a alma sombria, carregada desses sentimentos, me lembrei de Brecht ao nos alertar para esses dramas da condição humana: “Que nunca se diga isso é natural !”

AS LUVAS VERMELHAS


Nas minhas férias em agosto passado, fui para Belo Horizonte e, como de hábito, hospedei-me na casa de minha amiga Sonia. Desta vez, fomos passar um final de semana no interior mineiro, na casa de parentes dela, perto de Campos de Jordão, uma das cidades importantes dessa região. Resolvemos num sábado fazer compras nessa cidade, famosa pelas suas boas malharias. Chegando numa delas, Sonia resolveu comprar uns presentinhos:
- Preciso comprar também umas luvas pra meu tio, pois ele tem reclamado do frio das atuais noites chuvosas de Belo Horizonte.
Acontece que nessa loja só havia um único par de luvas vermelhas, em razão de ser um período de liquidação do estoque dos produtos de inverno.
- Vou levar essas luvas mesmo.
- Mas, vai levar pra seu tio luvas vermelhas? Não fica meio esquisito um velho de oitenta anos sair por aí com luvas vermelhas?
- Ele vai adorar, conheço o gosto dele, também é só pra dormir.
- Mas, se ele morrer dormindo? Vão encontrá-lo de luvas vermelhas e aí todo mundo vai saber que ele era gay.
- Minha nossa! Vou chegar lá antes de todo mundo pra tirar as luvas.
E saímos da malharia dando gargalhadas, imaginando a cena.
De volta a Belo Horizonte, Sonia toda contente chegou à casa do seu tio:
- Meu tio, trouxe pra você um presente que é sua cara.
Ao olhar aquelas luvas vermelho vivo, o velho tio abriu um largo sorriso:
- Olha, minha querida, adorei. Só você pra me dar um presente destes. Por essa razão, dou agora pra você esta incumbência: quando eu morrer quero que me vista todo de vermelho, da cabeça aos pés. E com estas luvas!


sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

MORTE.... ESSA MISTERIOSA SENHORA DO TEMPO

Quando a gente sofre um golpe qualquer, há um período de hibernação necessária para nossa reabilitação frente à vida. Foi o que aconteceu comigo, precisei desse tempo. Deu um branco na minha mente e no meu coração. De repente, secou a fonte e não tinha nada pra dizer pra ninguém. Só pra mim mesma. Mergulhei num estado de inverno, com muito frio interno, sem cobertor. Depois, passei ao estado nublado, onde ainda estou.
Hoje, senti vontade de retornar às minhas idéias. De voltar pra vocês. Com muitas perguntas, aos deuses, aos seres do além, ao infinito, a mim mesma, a todo mundo, a ninguém.
Do que se trata todo esse meu torpor? Desse mistério que volta e meia atormenta quem passa por ele. Por que a morte chega por caminhos tortuosos, sem explicação? Por que alguém morre, no auge da felicidade? Por que tem uma morte trágica, sem razão de ser?
Morte, esse eterno mistério, às vezes, bate na gente com uma crueldade insuportável. Mais até, pela nossa impossibilidade de compreendê-la. Cada um de nós já desejou, penso eu, em algum momento morrer, mas quando a gente encara de frente essa senhora, dá um frio na espinha dorsal, na alma, e só resta à gente se recolher, na nossa total insignificância.
Willians Pereira, maestro carioca, jovem de 39 anos, super talentoso, no auge de sua criação como violonista, arranjador e diretor musical, que tinha medo de avião, resolve, sabe-se lá por qual motivo, voar de ultraleve numa praia de Pernambuco e voou pra eternidade.
Por quê? Pra quê?
O CD Frevos-Mulher que ele dirigia da compositora e cantora Maria Olívia, parceira de sons e sonhos, ficou mudo, envolto em dor e luto. Era domingo, dia 2 de dezembro.
A contragosto, eu me deparo com o real sentido da dialética da vida, na sua vestimenta mais cruel, espelhando a unidade alegria e dor, dupla essa conformada na energia indissociável de vida e morte.
Tenho pensando muito, com um vazio enorme na minha alma. Num passo em falso, macabro, aquele ultraleve levou para sempre esse artesão de sons e beleza.

E, nós, pobres mortais, ficamos aqui, a ver navios...

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

SOLIDÃO.... UMA ESCOLHA ?

De cara, vou logo dizendo que não acredito nesse papo de que a solidão é uma escolha. É antinatural e tudo que está nesse barco não pode ser uma opção dos humanos. Ela é, sim, uma imposição da vida, do tipo de vida que vivemos, resultado das escolhas que fizermos. Penso que tal justificativa para a solidão, é uma estratégia para suportá-la. O indivíduo repete tanto para os outros que fez essa escolha que, afinal, vive da ilusão de que sente solidão por opção. Ah! Esqueci de lhes dizer que não me refiro à escolha de morar e viver sozinho, o que é diferente de sentir solidão.Tampouco, afirmo que sentir solidão tem a ver somente com a companhia de outrem, embora esta possa evitar esse estado ou ajuda muito, se for uma companhia, ao pé da letra. Porque existem pessoas que sentem solidão mesmo morando com alguém, e na pior das hipóteses, até casadas. O que, a rigor, é uma barra.
O paradoxo social contemporâneo é convivermos o dia a dia com tanta gente e, ao mesmo tempo, nos sentirmos solitários. Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios recente nos diz que “está aumentando o número de solitários no Brasil. São 3,8 milhões que moram sozinhos, um aumento de 137%, de 1988 a 1999. São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte estão à frente com mais pessoas vivendo isoladas. Esta pesquisa aponta somente os sozinhos, portanto, deixa de revelar o sentimento de solidão, o que evidentemente revelaria um universo ainda maior desta população”.
Agora vem a pior parte, o porquê de alguém chegar a esse estado de solidão ou as razões evidentes para explicar e/ou justificar essa condição. Olhem, penso que essas estão em terreno delicado, mesmo quando tudo indica que a responsabilidade desse sentimento é apenas de quem está nele. Se alguém a maior parte da vida ficou nesse lugar, é provável que isto se justifique por dois fatores que tanto podem se contrapor como também se complementar. Alguém sente solidão ou porque tem um gênio insuportável pra conviver com as pessoas, o que é comum se dizer a respeito de alguém que não tem amigos nem amores, ou porque há pessoas que simplesmente não conseguem ter amigos e nem amores por falta e de oportunidades e até de sorte. Sem falar nos dramas humanos que levam a essa condição e das situações geradoras de solidão. Refiro-me aqui aos doentes internados, aos chamados loucos nos hospícios, aos presos nas cadeias, aos velhos abandonados em asilos, às crianças rejeitas nos orfanatos ou aquelas sempre sozinhas sem a presença dos pais, aos mendigos nas ruas, à solidão daqueles com morte anunciada, daqueles que vão buscar uma vida melhor nas grandes cidades, aos estigmatizados por preconceitos, aos soldados em campo de batalha e até aos que têm muito poder, atormentados pelas pessoas que lhe sugam as benesses de sua companhia.
Seja por qual motivo for, a verdade é que sentir solidão é horrível, algumas vezes é desesperador. Quantas pessoas já não desejaram a morte, ou até tiraram a própria vida porque não suportaram esse sentimento, esse desespero de não ter com quem desabafar, com quem conversar, com quem sair. Inventa-se tudo pra justificar a solidão, principalmente, tratando-se das mulheres: que é bom sair ou ir a restaurantes sem ninguém, ou que viajar sozinho tem suas vantagens, que é bom ter como companhia apenas a sua própria sombra. Em suma, isso seria gol de placa, viva a liberdade alcançada!
Torno a lembrar que não se trata de uma escolha eventual, de um fato isolado, estou tratando da solidão permanente, desse sentimento que habita milhões de seres desse planeta e, em decorrência, resulta no estar sozinho. Ou seja, reafirmando, nem todo mundo que está eventualmente sozinho, tem solidão.
Mas, se fui eu que pus na mesa esse tema, vou dizer a vocês como vejo a solidão. De inicio, sou uma felizarda na minha já longa vida. De fato, senti solidão por pouco tempo, mas nas vezes em que isso ocorreu, eu fiquei muito mal. E digo mais: não sei lidar com essa condição e tenho um medo horrível de sentir solidão. Aliás, se me perguntarem qual é o meu maior medo, eu não hesitarei nenhum minuto em responder que é dessa senhora do sofrimento. Acreditem se puder, eu que moro no Rio de Janeiro, uma das cidades onde habita com muita regalia outra senhora horrível que é a violência, ainda assim, é a solidão que me mete mais medo. E nem me falem em ser uma velha com solidão porque fico literalmente apavorada, pois além desse sentimento, teria que lidar com as dependências da idade sem dispor de uma companhia pra enfrentá-la. Aí, meus amigos, eu escolheria sem pestanejar que, entre viver dessa maneira e ir dessa para o além, em estado de não solidão, eu prefiro esta última hipótese. Sentiram o meu drama?
Não sei não, mas penso que frente às imensas dificuldades de viver no mundo atual, sobretudo, nos grandes centros urbanos, estou convencida que a solidão transita da condição de um sentimento para a de uma doença dessa civilização. Pra evitar que a solidão vire doença, minha gente, só existe um antídoto: gostar de gente, pra fazer programas, pra viajar, pra constituir amizade, pra conviver. Pra viver.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

RELAÇÕES DURADOURAS... POR QUE DURAM ?

Tempos atrás uma amiga telefonou para mim e de chofre:
- Quais as razões de uma relação duradoura? - Ela perguntou.
Sem estar preparada para essa pergunta porque nunca havia pensado especialmente nessas razões, comecei a lhe falar sobre o que estava armazenado na minha cabeça, a respeito. Uma informação in off pra vocês: ela tinha se hospedado em minha casa por uma semana dez dias antes e, possivelmente, tal indagação estava relacionada a isso, uma vez que sou casada há quase treze anos, portanto, no figurino das relações tidas como duradouras para a minha geração e, com certeza, longuíssima para as gerações mais recentes.
Comecei naquele contato a apontar quais seriam as condições para uma relação de casamento longa, entre pessoas consideradas modernas, prolongar-se para além das regras vigentes.
Pode parecer o óbvio ululante afirmar que a condição mais importante é a existência de um amor profundo, aquele com cara de vida longa, forte, valente, resistente a trancos e barrancos e, em alguns casos, a barracos também...rs rs.
Coladinho a esse amor, vem a confiança mútua entre o casal, isto é, ter a certeza de que se pode contar com essa pessoa pro que der e vier, incondicionalmente, mesmo a contragosto, dependendo do fato.Traduzindo de maneira mais direta: aquela pessoa frente à qual você se despe sem medo do julgamento que virá, uma espécie de terapeuta de plantão, ao alcance de nossos desabafos e confidências.
Aí penso que decorrente da confiança, este tipo de relação nos reserva a presença de uma cumplicidade, por vezes, silenciosa, tipo você sabe o que a pessoa pensa sobre quase todas as coisas que envolvem ou não aquela dupla e, mais ainda, o que irá pensar sobre o quê, eventualmente, não estiver previsto no cotidiano daquela vida em comum. Aqui, o gostar de coisas em comum faz toda diferença.
Como dizem os orientais, quando o casal gosta muito de conversar é um prenúncio de uma vida longa em comum. Eu acrescentaria que, sobretudo, conversas nas madrugadas da vida são muito especiais e carregadas do sentido da confiança e da cumplicidade, comungadas a dois.
Não saberia também viver junto com alguém sem ter como ingrediente permanente o senso de humor. Ah! Que coisa mais gostosa na convivência! Torna a vida mais leve e, por vezes, até patética, em momentos dramáticos, por paradoxal que pareça ser. Quem vive assim, sabe do que falo.
Sinalizo, ainda, um aspecto que pode até parecer bizarro, que é o tipo de caráter dos parceiros de uma relação como componente dessa longevidade. Pensem comigo e vejam se faz sentido. Se duas pessoas num casal são da família bom caráter ou, se ao contrário, fazem parte da ramagem mau caráter, esse qualidade tem tudo para facilitar a convivência mais harmônica do casal. Parece-me claro isto, seja porque diminuem as chances da presença de conflito, de discordância valorativa frente às ocorrências cotidianas e, principalmente, pode facilitar as decisões conjuntas em momentos de opções comuns mais fundas.
No entanto, meus camaradas, essas minhas indicações nessa conversa com vocês, podem ser pura teoria. Há casos em que as pessoas ficam juntas por neurose, por pura doença, porque não têm coragem de dar a volta por cima e por aí vai. Não se esqueçam que o coração tem razões que a própria razão desconhece. E a loucura também.
Sem desconsiderar que existem ainda a magia e conspirações do universo que jogam a favor para manter juntas as pessoas e que nossa pequenez humana não será capaz de entendê-las.
De todo modo, todos nós queremos boas relações duradouras, dentro das possibilidades que esse mundo cruel nos permite. Que aprendamos a regá-las com esses temperos aqui apontados, além de buscar inovações e outras circunstâncias que favoreçam essa durabilidade.


sexta-feira, 2 de novembro de 2007

SEPARAÇÕES...QUANTA DOR!

Separações...existirá algo mais doloroso, mais sofrido? Qualquer tipo de separação dói, machuca, desalinha nossos chacras. Não é por acaso que somente uma privilegiada minoria sabe lidar com essa ocorrência.
Separações são complicadas pela própria natureza. Raramente, são as duas pessoas que querem separar e tal descompasso já é, a priori, prenúncio do que nos espera. É um sofrimento geral: de quem é deixado, de quem quer deixar, de quem não quer ser deixado, de quem está em volta. Não há reza que resolva, não há porre que suporte, não há dor que doa mais. O jeito é um só: enfrentar e se cercar de alguns cuidados para não se arrebentar demais.
Nesse drama generalizado, existe ainda um ingrediente perverso que só agudiza as dores presentes. Trata-se da culpa ocidental apostólica romana que habita, em especial, o peito daquele portador do desejo da separação. Ai! É dor profunda com cobertura de culpa. Existirá coisa pior do que sentir culpa por fazer alguém sofrer? Enfim, é pura maldade da vida amorosa para quem deseja se separar, já sai de campo com esse enorme peso de ter puxado o gatilho da dor. Vale lembrar que essa culpa começou com aquela maldita mordida da maçã pela Eva que foi possuída por esse sentimento que, portanto, tem em si o atributo da eternidade. Aliás, alguém sabe me informar o porquê da maça ter sido escolhida como vilã, logo ela que se apresenta como uma fruta tão inofensiva?
O antropólogo italiano Franco La Cecla escreveu sobre a arte da Ruptura Amorosa e divido com vocês parte de suas idéias. Para ele, no amor há a arte da ruptura assim como a da conquista, havendo também uma correspondência entre o grau de sofrimento da perda de um amor com o grau do significado desse amor. Ou seja, quanto maior o sofrimento na separação, maior terá sido aquele amor. Faz sentido, sim. Cecla classifica as separações em quatro tipos: Eu te deixo; Você faz de tudo para que eu te deixe; Você me deixa e Nós nos deixamos. Acho essa classificação verdadeira e, cá entre nós, em nossas experiências, não houve a presença de parte delas (ou de todas)?
Pensando bem: as separações são a tradução exata do tipo de amor vivido, da qualidade da relação construída. Por exemplo: relações grudentas e simbiônticas costumam ter separações dramáticas, notadamente quando apenas um só quer separar. Quem já se separou sabe do que estou falando. É um drama realmente italiano, a gente esquece o sofrimento, mas jamais o haver sofrido.
São tantos problemas, tantos sentimentos contraditórios. Impotência. Dúvidas. Remorso pelo que se fez e pelo que não se fez. Raiva do outro e de si. Enfim, é um horror generalizado. Por isso tudo, a gente tem que tentar tudo pra não se arrepender depois. Daí o melhor é buscar ajuda competente e vou direto ao ponto: fazer uma terapia de casal. Isso mesmo: fazer uma lavagem de roupa com água e sabão terapêuticos, de fino trato. Porque depois disso, ou vai ou racha.
De outro prisma, quem de nós numa relação periclitante, já não pensou que por ser tudo tão complicado numa separação, o melhor seria a solução de nossos pais e de todos seus ancestrais ocidentais: o menos pior é ficar junto até onde a vida nos levar. Até porque as relações amorosas, em geral, parecem ter, mais ou menos, o mesmo ritual: paixão, amor, crise e mais crise e finalização. Se é assim mesmo, que tal deixar como está, pra ver como é que fica? Calma, minha gente! Essa não é uma posição tão somente de acomodação. É uma leitura do real. Estarei exagerando? Em todo caso, apresento um ingrediente que amacia essa posição: refiro-me às relações fundas porque nas rasas, nem há lugar para tais conflitos, uma vez que nos tempos atuais, a intolerância na vida em comum dá logo o ultimato e a separação é prato do dia, sem grandes traumas.
De todo modo, não creio que possamos nos preparar para as separações da vida. Não há como evitar a dor, o que varia é o grau dessa dor. Penso que devemos, sim, tratá-la com delicadeza, com cuidado, com consideração. Em homenagem ao amor que uniu seres que estão se retirando da vida um do outro. Só existe separação porque antes existiu amor ou algo parecido, ou em muitos casos, durante a separação, ainda há muito ou parte desse amor.
Deixo com vocês um belíssimo poema que expressa bem o sentido dessa delicadeza com as separações:


Separação
Affonso Romano de Sant´Anna

Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.

O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.

Empilhar livros, quadros,
discos e remorsos.
Esperar o infernal
juízo final do desamor.
Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
-pareciam se amar tanto!
Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.
Amou-se um certo modo de despir-se,
de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo
modo de botar a mesa. Amou-se
um certo modo de amar.
No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos,
malas desesperadas, soluços embargados.
Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?
No quarto dos filhos
outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.
O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.
Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?

Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

LADO B


Cada um de nós tem um lado B, nem sempre com a devida visibilidade, pode até ser o melhor lado da gente e por mil motivos, não conseguiu se mostrar aos outros e ao mundo. Pois é, meus caros, cada um tem mesmo seu Lado B. Há quem tenha também um lado C, um lado D ou outros mais. Mas, estes são os mais loucos ou os mais lúcidos. Quanto a mim, uma “louca normal”, penso que tenho somente os Lados A e B.
Não sei, mas a impressão que tenho é que em algum momento da vida, a gente sente a necessidade de fazer valer mais o Lado B. Por diversas razões.
Hoje senti vontade de falar um pouco desse Lado B. No meu caso, o meu Lado A tomou conta de mim até algum tempo atrás: política, trabalho, família, projetos para mudar o mundo, essas coisas. E o meu lado B ficou num lugar coadjuvante, sem chance de ser ator principal.
Nos últimos tempos, o meu Lado B resolveu se impor. Veio devagar reclamando seu posto, impondo-se sorrateiramente e hoje manda em mim. Este lado não tem mistério, é o que vocês andam acompanhando, é o que Jussara Mendes, no seu comentário neste blog, definiu tão bem quando sutilmente me seduziu a continuar na mesma direção dos meus escritos: sentimentos, paixões e emoções. De fato, estes são os nossos verdadeiros donos. A vida toda a gente se ilude achando que comandamos nossa vida com a vontade, a determinação para isto, com aquilo etc. e tal. Doce ilusão! São as paixões metamorfoseadas de lobos e cordeiros que nos dirigem o tempo todo, de dentro pra fora, de fora pra dentro.
Dentro de nós algo nos diz: você precisa elaborar um grande artigo, fazer uma grande obra de arte, escrever o melhor livro do ano, construir o super projeto que vai resolver os problemas sociais da face Brasil. É a Vaidade soprando dentro de nós os ingredientes dessas atividades. Noutro momento, entra em cena a Inveja travestida em alguém aparentemente com boa intenção: Olhem! Esse artigo está um tanto complicado, essa música muito sofisticada e não tem chance de sucesso, não é melhor simplificá-los? Os envolvidos levam em conta tais dicas e simplificam sua criação. Logo, ficam sabendo nos corredores que as mesmas pessoas que deram as tais idéias estão pichando tais criações, dizendo que o artigo e a música são simples demais.
Tempos depois, você convida duas ou três pessoas de sua área pra realizarem uma atividade, uma inovação qualquer. Outra pessoa fingindo-se de amigo, alerta para os tais convidados, falando de sua inaptidão para a referida atividade, que não têm as devidas credenciais e coisas do tipo. Você, então, confuso e perturbado, desiste do tal projeto. Pronto! O Ciúme agradece por sua atuação vitoriosa.
Desiludido com esses comportamentos, você resolve não se incomodar com nada nem com ninguém, desaparece e fica no seu canto cuidando de suas coisas pessoais. Não é que tempos depois, fica sabendo que andam dizendo que você não quer nada com nada, que é um preguiçoso e descomprometido com o coletivo. Você fica arrasado querendo mesmo é se aposentar. Ganhou pontos a Maledicência, a intriga que pode ser muito destrutiva quando foge dos limites da simples fofoca da convivência cotidiana.
Finalmente, você resolve dar a volta por cima dando uma lição nesses faladores de plantão. Pensa em algo que envolva toda a comunidade da área: propõe, então uma ação que possa salvar o projeto político coletivo que está morre não morre. Acaba envolvendo todo mundo com suas idéias brilhantes e faz todo mundo acreditar que o mundo é bom e a felicidade até existe. Todos ficam iludidamente felizes e a Sedução bate palmas e foi pra casa comemorar.
Daí meus amigos, o que acham desse Lado B? Divertido? Mais leve? Ou dissimulado? Pensando bem, será mesmo o Lado B? Será que não se trata do lado AB, tradução real do que eu tinha me proposto na semana anterior a tratar a partir de hoje no Blogorodó? Ou seja, aquele que mistura todos os lados, liquidificando sentimentos, emoções e paixões com a política e as ações profissionais.
Olhe aí Jussara, como me ajudou! Como viram, os leitores é que mandam.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

O CHARME DISCRETO DA VAIDADE

Certa vez uma amiga me falou:
- A nós da Academia só nos resta a vaidade. Nunca seremos ricos com o nosso ofício e dificilmente seremos poderosos.
Fiquei matutando durante muito tempo sobre essa afirmação e conclui que a Academia é o território, por excelência, do cultivo e vivência da vaidade, onde a ação do professor, de fato, está envolta nos seus feitiços.
Este defeito (ou pecado capital) tem uma característica que o põe em destaque histórico. Para a Igreja Católica, foi por vaidade que nos começos dos tempos, Lúcifer por excesso de auto-suficiência, proclamou-se em disputa com Deus. Donde se conclui que a vaidade não é um pecado qualquer, tem a ver diretamente com a briga dos donos do mundo, do Bem e do Mal, tornando-o um pecado para além de chique...
Na minha juventude, estudei em colégio católico e, vez por outra, escutava considerações sobre a vaidade. Em discussões sobre as pretensões dos católicos com a santidade, sempre vinha à tona a figura da vaidade como um empecilho para tal escalada, em razão de seu confronto com a humildade, apanágio dos santos. Daí em diante cultuei a vaidade como um pecadão, em razão do seu status de portador do embrião dos demais (porque sempre fui mais chegada à condição de pecadora...). Tal compreensão provocou em mim um certo fascínio, ao mesmo tempo que me envolvia num estranho temor. Hoje, já não tenho esses devaneios nem sou mais tão pecadora...rs.
Com o passar dos séculos, só cresceu o poder da vaidade e uma boa ilustração disso é a apropriação das suas artimanhas pela lógica capitalista. Nessa ótica, a vaidade não se constitui algo ruim, mas um combustível que movimenta e impulsiona a realização dos projetos das pessoas e da sociedade. Por exemplo, no centro da indústria do embelezamento está a utilização da vaidade, envolvendo múltiplas atividades e profissões que se nutrem hoje dessa nova onda lucrativa. Em síntese, vaidade nesse caso é um forte ingrediente de geração de emprego e renda, atestando até que ponto chegou a sua eclética funcionalidade.
No entanto, em que pese essa característica multifuncional da vaidade, há um fio condutor na sua caminhada – o caráter efêmero intrínseco à sua natureza. Com essa mensagem encerro essa nossa conversa com o belo poema:
Vaidade
(Florbela Espanca)

Sonho que sou uma Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...



sexta-feira, 12 de outubro de 2007

SEDUÇÃO

A Sedução é um atributo ou qualidade intrínseca à pessoa que a possui. É da sua natureza, como se diz. Seduzir significa envolver, encantar, conquistar, atrair e, em ocasiões específicas, enganar.
Penso que há uma relação direta entre sedução e carisma, sendo este o seu núcleo central. Carisma, segundo um amigo da minha juventude, um orientador religioso, é um dom concedido pelo Espírito Santo. Sim, Ele mesmo, da Santíssima Trindade. Tal dom é atributo de um seleto grupo de seres mortais.
Portanto, meus caros amigos, sedução não se aprende na academia, nem nas escolas da vida. Ou se tem ou não se tem. Melhor assim. Ou não, como diria o nosso Caetano Veloso (aliás, a sedução em pessoa).
Os sedutores são pessoas poderosas, nos envolvem de muitas maneiras.
Neste espaço, tratarei da sedução sob três perspectivas que têm como foco, respectivamente, a auto-afirmação, o interesse específico e a conquista amorosa.
A primeira refere-se a um jeito de viver, de certas pessoas como resposta à sua auto-afirmação. Aqui sedução pode ser perigosamente destrutiva porque seduzir é um jogo para se sentir desejado pelo outro, sem representar um real interesse de constituir uma relação amorosa ou de qualquer outra natureza. Quem não conhece alguém assim?
Relacionada a essa modalidade sedutora, destaco a realização de uma pesquisa no Brasil, se não me engano na USP, que apontou um significativo índice de mulheres que preferem ser desejadas a ser amadas.
O outro tipo de sedução é aquela que tem como foco o interesse específico de conseguir algo com sua ação sedutora: a conquista de votos numa eleição; a venda de um produto; a conquista de adeptos à sua arte etc. Quem não comprou um objeto, sob o efeito da sedução comercial? Quem não deu seu voto a alguém ou a uma causa motivado pelo sedutor. Ou quem não ficou fã de um artista em função de sua sedução?
Também ressalto o fato de haver profissões mais relacionadas ou até mais dependentes da sedução, como marketing e as diversas modalidades de arte.
A terceira perspectiva, considero a mais interessante, a do terreno interpessoal, talvez aquela à qual somos mais vulneráveis. Nesta, os recursos são propriedades corpóreas, em especial, os olhos, a voz, o papo. Alguém discorda? Aquele olhar 43, aquela voz rouca ou manhosa, geralmente nos encantam de maneira fatal com tais faíscas eletrizantes e sonoridade vocal. Ou então, aquelas palavras ditas na hora certa com a entonação ao ponto que quase sempre nos atingem diretamente no coração. Ou, por vezes, acontece em regiões com vulnerabilidades mais calientes. Não é assim mesmo?
É claro que tais investidas visam atingir pessoas carentes, de relações amorosas insatisfeitas e similares. O certo é que quando nos damos conta já estamos definitivamente envolvidos. Perdidos para o bem ou para o mal. Quem saberá? Enfim, nessa ótica, a sedução é uma bebida que deve ser sorvida lentamente, em várias etapas, com doces doses do veneno da ilusão.
Mas, como tudo nessa vida terrena, a sedução tem o lado B, do ônus a pagar. Isto acontece quando tal dom, às vezes, funciona com força própria e independente e, noutras, contra a vontade do seu portador. Em tal hipótese, esse sujeito sedutor pode se encrencar e de algoz transformar-se em vítima do seduzido, que pode vir a ser uma pedra no seu caminho. Ou seja, o feitiço vira contra o feiticeiro. Enfim, ossos do ofício.
O que mais importa nessa arte da sedução é a gente admitir que os sedutores são hóspedes desejáveis. Porque tornam a vida deliciosamente atraente. Porque acalentam nossos múltiplos e erráticos desejos.
Afinal, quem não deseja ser seduzido por alguém e guarda, no mais íntimo de si, a ilusão de viver o tão sonhado amor?
E eu, o que fiz do começo ao fim desta crônica senão seduzir vocês, meus leitores, para se tornarem bem acostumados com o meu Blogorodó... rsrsrs.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

FIDELIDADE. É POSSÍVEL?

Este tema é daqueles que mais despertam interesse no meio dos amantes e amados. Como premissa para tratar desse assunto é importante pontuar que não se trata de uma abordagem linear, como dois e dois são quatro. É um tema complicado e cheio de contradições como são as questões que envolvem desejos e conflitos, paixões repentinas e seus desdobramentos.
O que é mesmo fidelidade? Quando essa questão é posta em evidência, qualquer papo fica mais animado, principalmente se o cenário for uma mesa de bar ou um encontro em casa de amigos, daqueles sem hora pra acabar.
Convém arrolar aqui enfoques que são atribuídos a essa temática. O mais universal parece ser aquele que atribui à fidelidade a roupagem física, corpórea, isto é, trair alguém é trocar carícias e/ou transar com outrem. Do meu ponto de vista, é uma visão empobrecida do significado profundo de fidelidade. Até porque, a depender do estágio da relação amorosa (não das pessoas), se na segunda ou terceira idade, esse desejo é inevitável e até necessária a sua realização.
O segundo enfoque trata infidelidade como a traição de pactos estabelecidos numa relação. Se um casal define entre as regras de convivência que é permitido estar, eventualmente, com outra pessoa fisicamente, tal possibilidade não configura infidelidade. Ressalto uma variante desse estar com. Se o mesmo se transformar numa moradia continuada, essa situação se transforma em dupla jornada de amor, o que está para além da fidelidade, entrando no terreno da monogamia versus poligamia, o que, necessariamente, não implica infidelidade. Repito: desde que o pacto da relação admita tal possibilidade.
Ao contrário, se conforme o pacto não for aceito qualquer outro tipo de relacionamento e, se nesse território for colocado outro alguém disputando esse espaço, aí então, está concretizado o rompimento da fidelidade. Isto porque fidelidade diz respeito a manter o vínculo do sentido da vida em comum, da manutenção viva da escolha de alguém como companheiro de jornada amorosa. Quer dizer, ser infiel é ter uma relação paralela, competindo com a pessoa escolhida por nós, como sujeito e objeto de nosso amor, dividindo o nosso espaço privado. Logo, não é o amasso ou a cama em si, a arma do crime, mas as “presenças” em disputa no coração e na cabeça da gente. Dito de outra maneira: se alguém está com a pessoa com a qual divide um casamento, um namoro ou qualquer outro tipo de relação, pensando continuamente em outro alguém, desejando estar com esse outro alguém, fantasiando atos amorosos, penso que essa situação caracteriza também infidelidade.
Nessa perspectiva, infidelidade é algo que vem de dentro pra fora. É complicado? Muito! Mas é a mais pura verdade.
E o que é mais sério é que tal situação é mais freqüente e verdadeira do que se quer admitir. Mesmo entre aqueles amantes e amados tidos como os mais fiéis da face da terra só porque não concretizam fisicamente seus desejos.
A partir das idéias aqui expostas, somos todos fiéis e infiéis. A vida toda! O que é bom e ruim. E também trágico.
O que fazer? Simples e complicado. Basta viver e ser fiel a si mesmo!

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

AMOR E PAIXÃO


Sempre haverá uma relação entre o Amor e a Paixão, estes dois sentimentos que habitam os corações dos humanos pelos séculos Amém. São sentimentos distintos e apesar da relação que têm entre si, na maioria absoluta das vezes, não estão lado a lado na mesma relação, digo: os mesmos seres portadores dos tais sentimentos. Não sei se me fiz entender neste momento. Mas, à medida que eles forem se revelando, isso ficará bem claro.
A paixão está no terreno dos sentimentos datados e o amor no lugar da perenidade. Traduzindo: ao amor está reservada a condição da longevidade, com direitos adquiridos, estabilidade, férias conjugais e a necessária dosagem de calmaria e serenidade. A paixão, ao contrário, é lugar das relações precárias, sujeitas à instabilidade, sem direitos permanentes, sob domínio das tempestades e do medo da ruptura.
Ao amor, cabe a prerrogativa da rotina da vida em comum, sem que a mesma implique, necessariamente, monotonia pré-datada. A paixão é território do desassossego, da agonia e do êxtase, da aflição e da incerteza.
O amor é lugar do aconchego, da troca de carinho e da cumplicidade .A paixão é pura adrenalina, de corpos em trepidação com fome de prazer contínuo.
Na paixão um olha pro outro. No amor, ambos olham na mesma direção.
No amor há companheirismo. Na paixão há companhia.
No amor confiança é alimento imprescindível. Na paixão dúvida é veneno desejável.
Amor é mar em calmaria. Paixão é vulcão em erupção.
Amor é pôr do sol. Paixão é madrugada.
Amor é bolero. Paixão é tango.
Paixão é vírus que se contrai. Amor é vacina contra a solidão.
Paixão é alimento. Amor é digestão.
Paixão é pressão alta. Amor é equilíbrio.
A paixão tem vida própria: começo, fim ou visita periódica. O amor quase sempre nasce das entranhas da paixão.

Enfim, o amor faz viver e vive-se de amor. A paixão pode matar e morre-se de paixão.
Ao final, apresentados com suas vestimentas esses nobres senhores dos mortais humanos, há que se perguntar: o amor e a paixão não podem mesmo se juntar em uma única emoção num mesmo humano?
Meus amigos, sinto ter que lembrá-los que tal ocorrência é raríssima, a vida nos revela que essa dupla carrega uma forte incompatibilidade genética. Quando a paixão vai embora do nosso corpo, é hora de o amor se instalar em nossa vida. Quando muito, a paixão poderá visitar, de tempos em tempos, o ninho do amor e fertilizar com seus fluidos ardentes a sua calmaria.
No entanto, ainda que saibamos dessa verdade, sonhamos todos, românticos ou não, com um sagrado desejo: que caia nos braços dos nossos carentes corações um Amor Apaixonado para sempre Amém!







sexta-feira, 21 de setembro de 2007

BEM ACOSTUMADA


Sempre impliquei com essa afirmação que volta e meia é feita por pessoas muito próximas – mãe, pai, irmãos, amores, amigos- quando se referem a coisas boas feitas a mim continuamente:
- Você foi muito mal acostumada, só quer saber de moleza!
Pergunto: se a ação é boa, como pode significar que eu tenha me acostumado mal? Ora, bolas! Trata-se, sim, de ter me acostumado bem. Mas, sem dúvida, mereço o troféu de Bem Acostumada em muitas coisas, ao longo de minha vida. Faz parte da minha natureza, não tem jeito mesmo!
Na minha adolescência, estudante na capital, quando ia passar as férias no interior, na casa dos meus pais, minha mãe mandava fazer todo santo dia, um franguinho assado, de minha inteira propriedade, resultado de seu cultivo particular, com ração especial, cheia de frescuras, em cercado próprio que tais cuidados exigiam para os franguinhos da Rose. Nem preciso dizer que tal operação doméstica provocava uma ciumeira nos meus irmãos.
Bem Acostumada, já adulta, outra manifestação dessa minha condição foi a exploração dos meus irmãos mais novos – Tião e Fafá – que realizavam todas as minhas operações burocráticas, pessoais e institucionais. Eu simplesmente não fazia nada. E, aqui em off, continuei anos a fio, em fase adultíssima, explorando os amores e as serviçais domésticas, com essas exigências de Bem Acostumada. Que posso fazer? Fui Mal Acostumada! Rs...
Mas, como tudo na vida tem seu reverso, eu paguei o ônus dessa condição. Fiquei totalmente dependente dessa tal Bem Acostumada vida. Ai de mim sem ela! Minha vida teria sido, ao que tudo indica, muito diferente.
Desaprendi coisas cotidianas tipo usar cartão de banco eletronicamente. Nas vezes em que não tem jeito e tenho que ir ao banco, acabo perdendo os cartões dentro das caixas eletrônicas, me atrapalhando com as senhas, essas coisas.
Resultado: sobra um trabalho danado a essa dependente Bem Acostumada: repor os cartões, ter que ir mais ao banco, trocar as senhas e que tais. Enfim, um castigo merecido.
De todo modo, apesar dos pesares, recomendo: se você tiver chance não abra mão de uma vidinha Bem Acostumada. É a exploração mais sem culpa das relações capitalistas. Corra atrás!

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

FICAR... FICANDO...


Entre as modernidades das relações amorosas, aquela que podemos considerar uso contínuo é a chamada Ficar. Leia-se: relação fugaz, geralmente executada em bares, boates, festas e festinhas e inferninhos.
Ficar precisa ser descrito e melhor desvendada, deixando claro que não tenho nada contra esta prática sexual. Como pressuposto básico, há que se considerar que existem os Ficantes profissionais e os Ficantes ocasionais, quer dizer, os que exercem essa atividade por opção e aqueles que a praticam por uma circunstância qualquer ou simplesmente para viver uma experiência nova. Esta tipologia faz toda diferença.
Examinemos alguns ingredientes dessa atividade Ficar. Primeiramente: a vivência dos Ficantes é adequada a cada geração, o que implica, a formação de três grupos.O primeiro, de adolescentes e jovens, que se estende até os trinta anos. Aqui, Ficar é realmente fugaz, às vezes, fugacíssimo. Um requisito é a disposição para essa empreitada. Porque, minha gente, é preciso vigor físico e rápida recuperação. Afinal, Ficar é sempre uma novidade e esta implica em curiosidade para vivenciar essa atividade, de maneira completa. E curiosidade supõe exploração da novidade, o que pode levar ao risco da não saciedade, condição que requer competência atlética para recuperação rápida de uma noitada que pode se estender por mais um tempo. E não se esqueçam que nesse evento, a conversa apenas rola como detalhe.
O segundo grupo, o turma do meio, é a partir dos trinta até os cinqüenta anos. Nesta, a experiência de vida amorosa já começa a bagunçar o Ficar dos jovens. São algumas pequenas adaptações, alguns ajustes para confortar essa faixa etária nessa atividade.Tais apelos vão montando a transição do Ficar para o Ficando. Transição essa cheia de transversalidades. De início, não significa que o caráter fugaz deixa de ser a luz-guia mas, há reflexos de desejos de uma esticada sexual, o que para os Ficantes é traição à exigência de fugacidade.Traduzindo: pinta aquela vontadezinha de viver um Caso. Resultado: Ficando é um meio caminho entre o Ficar e o Caso.
Entre parêntesis: refiro-me ao Caso Rápido, aquele que tem como função principal atender aos apelos do já andarilho corpinho que afinal, só quer ter mais um pouquinho dos prazeres do Ficar. Em contrapartida, há o Caso Fixo que , no fundo, é uma espécie de namoro não assumido.
No último grupo, o pós cinqüenta, Ficar não é tão simples assim. Porque há muitos vícios corpóreos e emocionais além das armadilhas do terreno amoroso. Portanto, nessa turma etária, Ficar é continuamente carregado de pequenos Ais e Ah! chantagistas:
- Ah! Foi tão bom! Por que não repetir mais vezes e sem data pra acabar?
Se no outro travesseiro estiver um Ficante juramentado, do primeiro grupo, essa chantagem tem pouca chance. Mas, se esse alguém for da turma do meio, a minha hipótese é que nestas situações, vários entes praticantes do Ficar podem até pular (ou pulam com alguma freqüência) a etapa da transição, caindo direto nos braços do Caso Fixo. Porque, afinal, o que todos nós queremos, sejam Ficantes, Ficados, desiludidos, desanimados, abandonados, enferrujados,desesperados,insaciáveis,esperançosos,mal-amados, deslumbrados e alguns da última faixa dos Ficantes (derrubados e desconjuntados após uma Ficada), enfim, todos nós do Planeta Terra, carentes permanentes,o que queremos mesmo, é o Amor, “eterno enquanto dure”.






sexta-feira, 7 de setembro de 2007

AMIGOS E AMANTES



Hoje eu acordei querendo fazer uma homenagem a essas duas entidades da existência humana, os amigos e os amantes, necessidades permanentes do ser humano do planeta terra.
Alguém poderia viver sem se sentir amado ainda que por um único amigo? Não creio. Ao longo de minha vida, fiquei convencida que essa primeira entidade tem uma característica básica: são poucos e raros, aqueles que merecem ser chamados de amigos. Cada pessoa tem alguma forma particular de definir um amigo além daquelas usualmente feitas, que é a pessoa que nos ame incondicionalmente,que nos diga coisas que precisamos ouvir, sobretudo, que é com quem se pode contar em todas as horas, boas e, principalmente as más. A minha forma individual diz respeito não propriamente às palavras, ao que me é feito, mas a algo que sinto por dentro delas. Refiro-me ao que capto de verdadeiro sentimento nas palavras que são ditas e isto não tem fórmula nem se refere às coisas em si mesmas que o amigo oferece a você, mas ao que de mais profundo ele transmite energeticamente através das palavras e ações que nos oferece. Por exemplo, quando o amigo me pergunta como vai você, eu sinto o quão de dosagem de amor ele passa através de uma pergunta aparentemente banal e mecanicamente dita em todos os lugares do mundo. No entanto, o que ele me manda diretamente ao coração, somente eu vou sentir de maneira especial, como uma frase inventada naquele momento pra mim. Dá pra entender?
As demais palavras, ações ou até as omissões estão carregadas desse sentimento mágico que por amor identifico em tudo que o amigo me diz e faz e também até quando me magoa por alguma razão.
Quanto à outra entidade, os Amantes, eles são o complemento dos amigos e, em certa medida, dependendo deles, são o prolongamento dos amigos. O que é ser um amante? Pra mim, a função primordial do amante é preencher a necessidade de prazer do nosso corpinho sedento desse alimento natural, fazendo-o com emoção e uma certa taradice. Porque amante tem que ter uma dose considerável de loucura física, de desassossego carnal, caso contrário seria apenas um amigo que faz amor com a gente. Aliás, tenho uma conhecida que diz que os amigos também servem pra transar com a gente, porque ela pergunta: vamos transar com quem, com os inimigos? Claro que nessa eventualidade, ela se refere a alguém atender a uma carência e imperiosa necessidade de um amigo. Mas, isso é polêmico e é raro que funcione, uma vez que ser amante supõe tesão, ingrediente não presente costumeiramente nas amizades.
Na verdade, o ideal para mim é se pudéssemos juntar essas duas entidades maravilhosas numa só, o Amigo Amante. Não seria perfeito?

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

SEGUNDA VIDA


Aparentemente, Segunda Vida é uma nominação, sem maiores conseqüências para qualquer tipo de abordagem: aspiração, consideração, análise, adesão, rejeição, enfim, seja lá o que for.
Mas, quando se trata da chamada Second Life, os tais programas de computador que buscam reproduzir a vida real, sob o desejo de novas identidades que não a verdadeira, aí a coisa muda de figura.
Trata-se de um remédio para ludibriar a identidade rejeitada e a solidão aguçada. Ainda que sob um patrocínio mecânico.
Quando alguém se veste via programa eletrônico de uma outra vida que não a sua, a real, pra fugir dessa realidade e assumir uma identidade fictícia, muitas interpretações podem ser postas em ação.
Essa invenção tem muitas implicações e hoje alcança uma enorme expansão em vários tipos de público e instituições, inclusive empresas. Daí requer o desvelamento dos seus múltiplos significados e o conhecimento adequado dos seus mecanismos de funcionamento.
Sob meu juízo, esta criação tem uma leitura delicada e dramática
Delicada, porque trata-se de buscar via ferramenta disponível, on-line, um mecanismo para suportar a realidade indesejável, para colocar em cena uma vida desejável, uma identidade sonhada.
Dramática, porque a opção por uma máquina para atender nossos desejos e frustrações no lugar de relações humanas reais, concretas, verdadeiras, é algo que deprime as possibilidades do potencial humano de ser mais.
O que isto representa, não tenho a pretensão de explicar. Mas, podem-se fazer ilações a respeito. Talvez a incapacidade atual de relacionamento humano seja a principal explicação. Incapacidade frente à vida moderna que se deteriorou com o crescimento assustador das complexidades da vida, de tecnologias, de mil solicitações e escolhas a fazer a cada hora (o imperialismo do consumo).
Tudo isso junto saturou o homem moderno que não foi capaz de dar conta das mil possibilidades de vida a seu dispor. Daí o refúgio na máquina, na tela, no faz-de-conta, que traz aquele produto sob encomenda de seu desejo e necessidade imediata.O que resulta na felicidade virtual, fugaz, mas, aquela possível de se ter nessa vida real.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Parabéns Rose!

Blogs, logs, flogs
Salve a era da info
Que revela a Rose
Veia de cronista
Aventurando-se
Como roteirista
Da sétima arte

Salve, salve a web
Longe da Hebe
E do Zezé de Camargo
Deformadores de opinião

Salve a paixão pelo Rio
Por Ipanema
Cinema
Teatro e televisão ...

Salve a nossa canção
Romântica ou de protesto
A primeira eu detesto
A segunda eu atesto

De resto é só espalhar
A boa nova de Rose Serra.
Que todos possam e devem acessar
A pagina e se deleitar
Com as crônicas
Ter Borogodó
Pressonante !
Sou saudosista , sim!

Parabéns Rose
Tudo na vida começa assim:
Um roteiro aqui
Uma crônica ali
Uma árvore
Um livro
Um filho...

Eduardo Boaventura -Poeta e Compositor baiano - eduardoboaventura@redeon.com.br
6 de agosto de 2007 - 16:33:47

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

TER BOROGODÓ

Duvido que haja algum cristão na face da terra que não gostaria de receber este elogio: você tem borogodó.
Pois bem! O que é afinal esse tal de borogodó? Será que é possível precisar o que é exatamente ter esse tempero que nos apetece, essa energia que nos faz estremecer, esse impulso que nos faz ficar de olhos grudados em alguém.
Vou dar a minha versão. Antes de tudo, uma premissa: borogodó não tem nada a ver com beleza física, com riqueza material, com condição econômica, com idade, profissão e outros atributos afins. Não passa por esses caminhos que podem ser até adornos interessantes.
Ter borogodó é mais especial que tudo isso junto. É ter aquele olhar 43, que nos desgoverna, ainda quando a gente se considera a pessoinha mais gostosa e resolvida do pedaço.
Ter borogodó é saber dizer aquela palavra, aquela frase, com aquela pontuação certa, que percorre feito veneno bom nossa espinha dorsal, de maneira sutilmente perigosa.
Ter borogodó é ter o dom de exibir de maneira natural (porque verdadeira) a inteligência que possui, despretensiosamente, ainda que numa conversa banal. Mas, é também demonstrar na mesma dosagem, sem nenhum constrangimento, o desconhecimento de algum assunto, sem aparentar nenhuma obrigação de saber a respeito.
Ter borogodó, minha gente, é aquela figura que sabe usar, de maneira elegante, o ponto de interrogação e o de exclamação. Ah! Este é um dos itens capitais dos borogodenses. Ainda quando nos desconcertam, eles o fazem com elegância, já que são de linhagem oposta daqueles que bisbilhotam a vida da gente ou arregalam os olhos com as histórias que costumamos contar sobre nossas vidas.
Enfim, ter borogodó, é aquela personagem que por todas essas razões e por outras mais, é capaz de ser motivo de criação de uma fila de espera de desencantados com o amor, que tão somente o querem ter a seu lado para usufruírem do seu maravilhoso borogodó.

PRESSIONANTE!


Os cariocas são maravilhosos na arte de mudar as palavras pela sua pronúncia; temos inúmeros exemplos de palavras, cujo uso se impõe sobre a forma original com tanta força que elas se modificam mesmo, produzindo-se o efeito de adoção generalizada de sua nova forma, acariocada.
É o caso da palavra impressionante que acabou perdendo na pronúncia a sílaba im e transformando-se em pressionante.
E reparem que ao ser pronunciada, ela tem uma acentuação tão típica, tão carioca, tão especial, carregada de todos os sentidos que lhe foram atribuídos que sequer sentimos falta daquele pedacinho que subtraímos da palavra original, o tal im.
Vejam como fica mais interessante adicionarmos essa palavrinha nas nossas trocas de idéias, em nossas saudáveis fofocas diárias com amigos, vizinhos, desconhecidos, conforme reza o costume em terras do Rio:
- É demais o gosto do brasileiro por uma boa briga, um bate-boca na esquina e até uma desgraça.Basta um aceno de algo assim, que todo mundo sai correndo, interessado em saber do que se trata. Pressionante!
Alguém discorda que os tipos vilões, o cafajeste de nascença, o mau-caráter juramentado enfim, os meliantes da vida, são muito mais atraentes que os bonzinhos e bem comportados. Querem ver?
- A Thaís, a gêmea má da novela global Paraíso Tropical é muito mais interessante que sua irmãzinha sem tempero, a chatolina Paula. Pressionante!
Também ao falarmos dos problemas que nos atormentam nessa conjuntura atual, o recurso dessa palavrinha dá uma suavizada no desabafo:
- A gente agora se deu conta como andar de avião é assustador. Já pensaram como a gente estava desinformada desse mundo perigoso? Pressionante este país!

Pra fazer o típico deboche brasileiro,aí então fica melhor ainda, uma simbiose perfeita:
- Essas mulheres cheias de plásticas estão horrorosas. Verdadeiras piratas! Pressionante!
E por aí vai. Essa é uma marca carioca, que me perdoem os demais brasileiros, pois ninguém tem esse charme para modificar e usar as palavras como os cariocas. Pressionante!!!

SOU SAUDOSISTA, SIM!

Já repararam como as pessoas estão sempre negando que são saudosistas?
- Não é que eu seja saudosista, mas naquele tempo, o Rio era mais Rio.
- Não, não sou saudosista, mas eu sinto falta daquele tempo em que as pessoas eram mais românticas, gostavam de namorar à luz do luar.
- Olha, eu acho saudosismo um atraso de vida. Mas, não posso negar que antigamente a gente era mais feliz e não sabia.
Pois bem, eu assumo: Sou saudosista! Exageradamente saudosista! De tudo!
Do primeiro beijo. Ah! Que emoção devastadora! Dias sentindo aquela perturbação maravilhosa.
Sou saudosista das minhas férias no interior nos anos dourados adolescentes. Das festinhas, dos flertes, das disputas ingênuas pelo olhar daquele jovem mas disputado, aquele “pão”. Sou saudosista até dos conflitos que sentia em relação às permissividades sexuais. Deixo ou não deixo ele pegar nos meus seios? E sentir o sexo dele encostando no meu? Ah! Quanta emoção!
Doces e perigosas emoções sexuais! Só naquela época a gente sentia aquelas sensações.
Sou saudosista da música daquela época, das relações entre os artistas, daquela magia dos festivais dos anos sessenta, daquele clima puro de emoção musical que sentíamos.
Ah! Como não? Sou saudosista dos efeitos do velho baseado, sob o som de Pink Floyd, o meu predileto. Aquele som invadindo as entranhas, tomando todo o meu ser, anestesiado sob os efeitos alucinógenos. Quem viveu, me entende.
E daquele Rio seguro, como sinto saudades de você, de andar a pé nas suas madrugadas, atravessando o túnel novo Copacabana-Botafogo, após aquelas noitadas alegres e descomprometidas de passagem de ano.
Mas, entre os muito saudosismos que eu tenho, no fundo do meu coração habita pra sempre aquele que é o meu saudosismo maior: o brilho do olhar, a impetuosidade, a generosidade, o despojamento da minha geração e, principalmente, o coração batendo forte, daqueles protagonistas de um sonho sonhado que se findou: doces loucos que ousaram acreditar que mudar o mundo era possível.
Pergunto a vocês, como não ser saudosista diante desse viver de agora? O que a vida me oferece em troca?