sábado, 15 de novembro de 2008

OBAMA BIN LADEN

A UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) está em greve há dois meses. Numa das últimas assembléias docentes, um professor de engenharia, tradicional opositor desse tipo de movimento, ao iniciar sua fala, aproveitou para externar seu regojizo com a vitória do presidente americano eleito, Barak Obama, concluindo assim sua fala:
- Vamos aguardar as mudanças que virão para o mundo todo, com a vitória de Obama Bin Laden.
Foi aquela gargalhada na assembléia. Claro que o referido professor, no calor de sua emoção, confundiu as personagens e, por alguma razão, secreta e inconsciente, fez a junção das duas lideranças internacionais, de coloração tão diferente.
Eu, então, aonde estava, na minha cadeira, aproveitei a deixa pra elaborar mentalmente um texto que abordasse o significado e implicações da criação desse novo personagem, que ora apresento pra vocês.
Retirei do discurso de posse de Obama Bin Laden, o seguinte trecho:
- Sim, nós podemos, este era nosso grito de guerra de campanha. Deixei para lhes falar, neste momento de vitória, do novo poder que nos foi atribuído nessa eleição: o de domínio, amplo, geral e irrestrito do mundo, com a criação de um novo ser planetário, capaz de todo o poder do mundo. Sim, meus compatriotas, eu sou o Obama Bin Laden.
Foi uma grande reação de perplexidade, naquele dia memorável em Chicago. Alguns abriram a boca, cheios de surpresa e, também, de medo. Outros acharam o máximo, naquela euforia de vitória tudo se explicava, sobretudo para os que tinham um pezinho nos países muçulmanos.
Obama continuou:
- Pois é, americanos de todas as cores e crenças. Eu sou o todo poderoso, a nova face do capitalismo. Como vocês sabem, não há crise que nós não a enfrentemos como superação de nós mesmos, de nossa história, de nosso poder no mundo. E com soluções em novas roupagens.
Alguém da multidão, próximo do palco, levantou a mão. O presidente, porque já estava mesmo eleito, resolveu atender àquela manifestação:
- Diga, meu compatriota.
- Presidente, por que resolveu juntar à sua pessoa, aquele tido como o maior terrorista de todos os tempos? Não será algo difícil de aceitação pelos seus eleitores?
- Pelo contrário, meu jovem. Temos que dominar o terrorismo, anulando o seu poder pela via monetária. Vamos dar a seus líderes um reforço de caixa de muitos bilhões, para que eles os distribuam entre seus seguidores, assim ficaremos protegidos em relação aos seus planos de nos atingir com outros atentados.
- Presidente, a ideologia deles é o oposto da nossa, não acredito que isso possa dar certo.
- Errado, meu jovem. Só existe uma ideologia no mundo, a do bolso, esta altera todas as crenças e emoções.
A essa altura, já havia uma agitação muito grande no meio da multidão. Uma mulher, muito velha, pediu para ser ouvida:
- Presidente, estou muito confusa, votei no meu candidato que se chamava Barak Obama e, agora, fico sabendo que ele, de fato, se chama Obama Bin Laden. Como devo chamá-lo?
- Minha senhora, nada mudou, tudo estava escrito. O que aconteceu foi a necessidade de arrumarmos um jeito de continuar sendo os donos do mundo. Por isso, precisamos fazer esse ajuste. Quero lembrar que meu nome completo é: Barack Hussein Obama e, com minha vitória, acrescentei Bin Laden. Trago nele a síntese de todas as soluções. O Hussein, por exemplo, fica por conta da guerra do Iraque, trago o nome do ex-ditador, o que facilita acabar com essa guerra que nós inventamos e precisamos dar um jeito de usufruir dela.
- Presidente, estou assustada, o senhor está parecendo a junção de Deus com o Diabo.
- Brilhante, minha senhora! É isso mesmo. Eu sou o Bem e o Mal juntos, daí o nosso poder planetário.

domingo, 9 de novembro de 2008

PARAFUSOS E TIPOS HUMANOS

Quantas vezes cada um de nós já disse ou escutou alguém dizer que fulano de tal tem um parafuso, a menos ou a mais. Hoje quero discutir um pouco essa questão, sob alguns prismas, partindo de um pressuposto: vocês já pensaram se todos os humanos tivessem os parafusos no lugar, como chatésima seria a convivência humana?
Pensemos agora sobre pessoas que conhecemos pela vida fora, que são, digamos assim, bem arrochadinhas. Por exemplo, você já se deparou com um funcionário público administrativo, daqueles que usam óculos de aro grosso preto e guarda-chuva preto, modelo de antigamente? Esse é o protótipo do parafusado de cabo a rabo... desculpe a chula expressão.
Outro tipo é o sacristão de cidadezinha do interior, aquele que beija a mão do padre, usa camisa abotoada até o gogó e sacode aquele sino da missa como se estivesse tocando um instrumento de percussão. A cara eles já sugere um parafusão, daqueles que servem pra arrochar as pessoas como se fossem objetos.
Há também o crente dessas seitas religiosas, que anda pregando pelas ruas a conversão das pessoas. Alguns usam roupas escuras, pretas ou azul marinho, ou então, totalmente brancas, como se essas cores revelassem o seu estado de purificação e/ou austeridade interna. Já repararam que eles andam meio duros, como se de fato estivessem bem parafusados?
Afinal, concordam que esses tipos são autênticos representantes de parafusados juramentados?
Vejamos, agora, na outra ponta, exemplos de totais desparafusados. Penso nos biritados permanentes, que precisam de doses diárias pra colocarem, paradoxalmente, uns poucos parafusos no lugar. Aí, de fato, eles conseguem alcançar o seu estado verdadeiro, o desequilíbrio equilibrado, dá pra entender?
Também considero os chamados loucos oficiais os autênticos desparafusados porque chegaram ao máximo estágio de não precisarem se parafusar, verdadeiramente de encontro às regras da ordem estabelecida. Aliás, em alguns casos, o excesso de parafusos é que provocou a desparafusagem total.
Em outro extremo, vejo os tidos como marginais perigosos, que estão distribuídos em todas as categorias de delitos sociais. Estes propriamente nem têm parafuso nenhum, usam outro tipo de ajuste ou melhor dizendo, de desajuste na sua inserção social. Pudera! A escola necessária para sua atuação é a libertação de seus parafusos.
Situados os extremos, pensemos agora nos semiparafusados, aqueles que apresentam características mais interessantes e até charmosas desse desequilíbrio parafusal. Aqui há uma variedade imensa de tipos, a mais ou a menos. Por exemplo, alguém pode ser parafusado na cabeça e desparafusado no corpo, estes tipos são comuns entre os intelectuais, quer dizer são muito brilhantes de cabeça, mas o resto do corpo, uma tristeza: ruins de cama, cheios de sintomas de TOC, desprovidos de qualquer vaidade corpórea, descabelados e mal roupados, enfim, desequilibrados parafusalmente.
De outra ponta, temos os corpóreos radicais, aqueles que têm na massa física sua razão de viver. Pro corpo, tudo e pra cabeça, zero. Estes, penso, que até são mais felizes, não vêem a vida passar e neles os parafusos faltantes são de difícil aquisição porque o cérebro se esqueceu de fabricá-los.
Temos também o tipo sexual desparafusado, são os considerados desencaminhados sociais. Destes, alguns remam contra a maré, seja porque não vivem sem aquilo, são os tarados, ninfos de todo tipo; seja porque vivem o que não é afeto à ordem sexual instituída. No meio desses, há uma característica interessante: eles despertam atração e medo, talvez os enquadrados socialmente saibam lá no fundo, que “de perto, ninguém é normal” ao que eu acrescentaria: nem no escurinho do quarto...rsrs.
Há também os desparafusados mais destacados ou invejados socialmente, são os artistas, os gênios e criadores, em geral. Neles, o parafuso seria um entrave à sua criação e desempenho. Eles, por assim dizer, nem conhecem bem o que se configura como parafuso, tal a sua falta de prática com este senhor enquadrador. São uns felizardos e nos ajudam a suportar alguns parafusos impostos a nós, que não conseguimos arrancar.
Por fim, ressalto um tipo intermediário, aqueles que funcionam à base de parafusos entortados. Aqui entram os superalguma coisa: os superacelerados, os superchatos, os supergrudentos, os superbabacas e por aí vai, todos aqueles que perturbam nosso santo dia. Estes não têm conserto porque são parafusos genéticos, se tirar algum deles, os ditos morrem.
A partir desse panorama, cada um poderá fazer sua avaliação valorativa de cada um desses grupos e se identificar/encaixar em um deles.
É possível, então, que vocês concluam que este pode não ser apenas um texto despretensioso de uma cronista semiparafusada, mas que faz indicações reais de vidas aprisionadas/empobrecidas ou a adoção de uma vida mais libertária, leve e solta, a partir do uso, mais ou menos, de parafusos sociais.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

QUANDO SE PERDE ALGUÉM MUITO QUERIDO

Para Mônica

No sábado passado, dia 18, perdemos do nosso convívio nossa querida Mônica, sem ao menos nos avisar que estava a caminho da sua última morada. Ficamos todos meio desnorteados com sua partida antes da hora. Ainda tínhamos esperança que ela demoraria um bom tempo antes dessa viagem compulsória, guerreira como sempre foi nesta vida.
Nesses momentos de rito de passagem, nossos sentimentos são confusos, mas apesar de manifestações diferenciadas, há um ponto que nos unifica, que são as nossas dúvidas em torno da existência humana. Indistintamente ficamos todos mexidos, tocados, cheios de dúvidas, com um medo inexplicável, obscuro. Medo que se metamorfoseia em indagações sem respostas frente à morte. Os que crêem noutra existência, e mesmo os que se acreditam incrédulos, ateus, todos ficam balançados, sentem um arrepio concreto. Seja porque estão vivenciando tal situação pela primeira vez, seja porque já passaram por ela antes, mas principalmente porque cada um de nós fica pensando que vai chegar a sua hora. E ninguém, absolutamente ninguém na face da terra, pôde até hoje precisar quando, onde e nem como será essa nossa viagem compulsória individual. Eis o grande mistério. Pra sempre.
Perder alguém que se ama é muito duro e, se for pra sempre, é uma dor aguda, aquela que nos atinge feito punhal rasgando nossas entranhas. É assim que se sentem a mãe e o pai ao perder um filho, dizem que não há dor igual; dor próxima é a perda da mãe e do pai e de irmãos, nesta ordem. Trata-se de doação de vida e de entranhas, o que não se iguala a nada que se possa sentir. Depois, todas as demais dores se entrelaçam: a perda de um amor, de um parente, de um amigo.
Dizemos pra nos consolar: esse corpo que se vai é apenas matéria, essa pessoa habitará nossos corações para sempre. É verdade. No entanto, sabemos que faz diferença a ausência física, o quanto machuca a crua consciência de que nunca mais vamos poder ver aquela pessoa amada, escutar sua voz, trocar confidências, tomar uns porres juntos, jogar conversa fora, pedir conselhos e até vivenciar umas briguinhas ocasionais. Esse é o lado doído e cruel dessa ruptura entre os seres humanos.
Ah! Jonas e Danilo, os filhos de nossa Mônica. Quanta falta sentirão da mãe querida, das suas recomendações sobre todas as coisas, desde as mais banais: “vá com outra roupa, não deixe de comer antes de sair, cuidado na rua, não chegue muito tarde, dê notícias, como foi seu dia, eu te amo...” Que saudades! Que dor injusta!.
A verdade crua e nua nos bate na cara: o sentido real e sem máscara da palavra NUNCA. Para um lado e para o outro. Nunca mais vou ver essa pessoa, nunca mais vou tê-la ao meu lado, a gente pensa.
Quanto à Mônica, o que não vamos nunca esquecer é da sua coragem, sua correção, sua dedicação às pessoas que amava, do seu belo caráter, enfim, da sua inteireza em toda sua vida .
A nós todos, neste momento, resta como grande consolo o legado que ela nos deixou na sua curta existência: a qualidade de sua presença e o amor solidário que dispensou a cada um de nós.
Vá em paz, Mônica! E tenha o repouso eterno, cheio de luzes e cores, como você gostava.

sábado, 11 de outubro de 2008

OTIMISMO OU PESSIMISMO – UMA QUESTÃO PARA POLEMIZAR

Muito se fala sobre otimismo ou pessimismo, com uma visão muitas vezes equivocada, como se as posições sobre as situações da vida pudessem ser reduzidas a esse binômio. Pois bem, vou lhes contar um episódio que marcou definitivamente minha posição a respeito dessa questão.
Alguns anos atrás, assisti a uma entrevista com o grande escritor português José Saramago no programa Roda Viva do Canal TV Brasil. Ao lhe perguntarem qual era seu partido político, Saramago respondeu: ” sou do PCB”. Um dos entrevistadores afirmou: “é o que eu pensava, você é do Partido Comunista Português”. Saramago disse: não me refiro a esse partido, sou do Partido dos Cidadãos Preocupados”. Foi aquela risada geral. Saramago em tom solene explicou : “falo sério, é um partido de verdade, ele tem como referência principal o pessimismo”. De novo, foi uma surpresa pra todos ali, questionaram a negatividade do pessimismo e outros tais. Daí o escritor arrematou: “vocês estão enganados, o pessimismo não é negativo, penso que o que muda o mundo é a visão pessimista, pois os seus adeptos correm atrás das soluções, enquanto os otimistas acreditam que tudo está bem ou vai ficar bem e, em grande medida, acionam seus canais de mudança com lentidão ou acabam por se acomodar. Os pessimistas, não, eles arregaçam as mangas e vão à luta, porque sabem que o centro de referência e orientação é a realidade nua e crua, sem ilusões de mudanças mágicas. Portanto, são os pessimistas que, de fato, provocam as mudanças”. Desde, então, tornei-me uma adepta do PCB do Saramago.
A partir dessa premissa defendida por esse ícone da literatura, vou caminhar um pouco nessa direção. A meu juízo, faz todo sentido esse pessimismo da razão, como diria o pensador italiano Antonio Gramsci, pois o mesmo pode levar com mais eficácia à nossa indignação com a realidade (re)conhecida, impulsionando a vontade para transformá-la, somando com o lado otimista, numa real dialética. Do meu ponto de vista, a dosagem dos otimistas não tem a mesma força que a dos pessimistas pra arregaçar as mangas e ir à luta.
Também pode ser que eu tenha uma certa implicância com essa história de otimista ser o bom, o simpático e pessimista o ruim, o rabugento. Sem falar que há casos de uma relação direta entre otimismo e alienação.Com todo respeito! Sei lá! Enfim, esta minha rabugice fica por conta de eu ser uma mulher mais noturna e menos solar, apesar de leonina. Afinal, funciono mais à noite, de manhã gosto mesmo é de dormir.
Portanto, tudo é uma questão de visão das coisas, que inclui muitos ingredientes que movem o mundo, que mudam a cabeça das pessoas, que apontam outros horizontes, que sinalizam a esperança de uma vida melhor.
Ao final desses meus considerandos, pergunto a vocês: dá pra ser otimista diante dessa atual e alucinante crise capitalista? Não será por uma considerável dose de pessimismo, embalada pelo desespero, que poderá haver alguma saída para todos nós, pobres mortais?

sábado, 4 de outubro de 2008

ESPERANÇA EM QUÊ? EM QUEM? EIS O DILEMA

Já contei pra vocês aqui, em uma crônica passada, das minhas andanças pelo terreno católico onde fui até filha de Maria, mas isso foi há séculos, quando era adolescente. Aí não me esqueci da doutrina dessa religião, sobretudo em alguns pontos centrais.Por exemplo, a questão das virtudes e dos vícios. As virtudes são uma espécie de ferramenta sobrenatural, que nos ajudam a praticar o bem, elas seriam algo mais abstrato, de ligação mais direta com Deus e seus agregados. Nós as recebemos, pela primeira vez, na hora do Batismo e as perdemos ao cometer pecados graves, que são reabilitadas pelo sacramento da confissão. É por não praticarmos atos de virtude que acabamos adquirindo na alma uma força má, que é o contrário da virtude, o chamado vício.
Não me perguntem o porquê de algumas pessoas, que não são católicas e, portanto, não são batizadas, terem algumas virtudes cristãs. Não sei explicar, não tenho a menor idéia. Talvez isso faça parte daqueles furos que têm todas as religiões.
Existem virtudes que são nobres, que nos levam a conhecer e amar a Deus - são as virtudes teologais, a Fé, a Esperança e a Caridade. Mas existem muitas outras virtudes que nos levam a agir corretamente, como é o caso das chamadas virtudes cardeais: Prudência, Justiça, Força e Temperança.
Cá pra nós, essa minha aulinha está parecendo uma cantada pra vocês se converterem, uma espécie de recaída minha nos braços do catolicismo. Ledo engano, queridos. Já estou em braços afrodescendentes, como simpatizante, por pura necessidade existencial, digamos assim. Mas vocês devem estar se perguntando: por que, cargas d´ água, esse papo um tanto quanto esquisito, tratando-se desse público leitor do Blogorodó, cheio de hereges juramentados? Respondo rápido. Não tem nada a ver com religião. Apenas foi um longo intróito, pra encher linguiça. Coisas de cronista.
A virtude da Esperança tem um lugar especial nesses últimos tempos, em particular no domingo, dia 5 agora de outubro, dia de eleição pra prefeito e vereador. Não faz sentido? Afinal, quando se vota, supõe-se haver uma certa dose de esperança, no mínimo. Como votar pra prefeito, o nosso síndico citatino, se não acreditarmos que vai melhorar nossa cidade, nossas relações de cidadania? Aí que a vaca torce o rabo. Eu, por exemplo, estou desprovida de qualquer dosagem da virtude esperança. Não acredito mais em nada, estou brigada com a política, com as possibilidades do bem-estar-social local, regional, nacional, internacional e planetário. Como votar? Mas ao mesmo tempo o meu passado devoto dessa virtude esperançosa, fica me soprando: como votar nulo? vote no Gabeira, ele é um cara sério e honrado, até já seqüestrou embaixador financeiro, digo americano, só isso o faz merecedor de seu voto.
Vejam o meu dilema. Pudera! O Rio de Janeiro vive um longo processo de Atração Fatal por maus governantes, com rara exceção, é um atrás do outro, em todos os níveis, virou um vício fluminense desprovido de qualquer charme. Vejam agora nessa eleição pra prefeito, se o Gabeira não for pra segundo turno, restará aos cariocas o triste destino de escolher entre o Diabo e o Capeta. Não merecíamos esse castigo. Só pode ser penitência pra purificação das nossas sofridas almas.

sábado, 27 de setembro de 2008

POEMAS / LETRAS DE MÚSICAS

SE EU FOSSE

Se eu fosse um poeta
Eu lhe diria coisas bonitas
Várias vezes ao dia
Mas como não sou
Apenas lhe digo
Coisas banais

Se eu fosse um músico
Faria para você uma melodia
Com a mais bela harmonia
Mas como não sou
Apenas lhe canto
Uma canção qualquer de amor

Se eu fosse um escritor
Faria o mais belo romance
E você seria a personagem principal
Mas como não sou
Apenas lhe conto
Uma história de amor


LUGAR ALGUM

Não sei se vou
Nem pra onde
Tampouco como vou
Só sei que quero ir
Para lugar nenhum
Onde nem eu me alcance

Também não sei
Se quero mesmo ir

Minha cabeça
navega envolta
Em pensamentos contrários
Entre o que sou
O que fui
O que poderia ter sido
O que ainda posso ser
Em algum lugar de mim


ESSE AMOR

Esse amor me pegou de surpresa
Em tempos distantes
E deu rumo ao meu viver errante
Esse amor pleno
É Sol e Plutão
É riso e lágrima em confronto
É amor amigo
Intempestivo e aconchegante
É amor do passado e do presente
Que se fez pra sempre
Em amanhã contínuo


ONDAS LÁGRIMAS

Ondas gigantes me ameaçam
E me atraem
Torrente líquida
Sobre mim, sobre nós
Enquanto em pensamento
Sua majestade, sua presença
Me invadem, me cobrem a alma
Inundam meu ser
E absorvem as lágrimas
Derramadas dentro de mim
E sorvem a minha saudade
Em ebulição


sexta-feira, 12 de setembro de 2008

ZILMINHA DO JEGUE

Minha mãe, que Deus a tenha, era uma grande contadora de histórias, um dom especial que ela tinha. Nós, os seus filhos, ouvimos mil vezes suas histórias sobre a nossa infância, que pedíamos que ela contasse novamente aquelas que mais gostávamos, sempre que havia alguma reunião de família. Ela, como é de praxe entre pessoas dotadas desse dom, não se fazia de rogada, gostava mesmo era de se exibir e, cada vez que repetia cada história, ela acrescentava uns toques novos, o que nos deleitava mais ainda. Ao longo do tempo, seus ouvintes foram se ampliando entre os amigos de seus filhos. Uma das minhas histórias prediletas era a do cavalo, que ela montou numa longa viagem, amparada por aqueles empregados, uma espécie de acompanhantes de viagem no interior do Maranhão. Essa foi uma viagem de mudança e ela teve que levar consigo eu e meu irmão mais velho, de Grajaú, minha terra natal, para Barra do Corda, município vizinho, onde residiríamos, e lá já se encontrava meu pai, que era funcionário público federal na função que equivale hoje a fiscal de rendas, e por conta desse cargo, volta e meia mudava de cidade.
Ela contava que nessa montaria do cavalo tinha caído muitas vezes no percurso da viagem, chegando toda moída ao final dessa penosa travessia. Só que essa narrativa era recheada de acontecimentos divertidos que ela sabia nos presentear com muito humor.
Certa vez, uma amiga de Recife que veio ao Rio, foi comigo visitar a minha mãe, e como sempre, rolaram várias histórias, entre elas a do cavalo. Ao final, disse minha amiga:
- D. Zilma, acho que não era cavalo não esse animal de sua viagem, pra senhora cair tantas vezes, só podia ser um jegue, que por ser baixinho, suas quedas não lhe arrebentaram de vez.
Minha mãe, meio marota, disse :
-Ora, ora, eu passei a vida toda achando que era um cavalo, mas pensando bem acho que era mesmo um jegue. E caiu na gargalhada.
Daí pra frente, minha amiga, que é uma grande gozadora, pôs o apelido na mamãe de Zilminha do jegue.
Passados treze anos desse episódio, essa mesma amiga mandou, de Recife, um presente pra Maria Vitória, um bebê que agora estamos adotando. Ao abrir o pacote, deparei-me com um bichinho lindo de pelúcia, e exclamei:
- Nossa, que cachorro bonito, que raça será a dele?
Chamei minha secretária, que é uma cearense, e perguntei-lhe:
- Que cachorro é esse?
Ela, toda metida, certa de sua resposta, respondeu:
- Não sei não, mas que é um cachorro bonito isso ele é.
Duas horas depois, chegou minha irmã em minha casa e ao lhe mostrar o presente, ela exclamou:
- Não acredito! Como aquela danada foi conseguir justo um jegue pra mandar de presente? Só mesmo no nordeste, pra se achar um bichinho desses.
E eu fiquei com cara de tacho, como se diz por aquelas bandas, pois o mesmo tinha sela, crina e cabresto, jamais poderia ser um cachorro!!!.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O AMOR É UM ESTADO DE RISCO

5ª Fase

QUANDO O AMOR ENLOUQUECE

É quando a gente se descabela. Ao pé da letra. Como disse na fase anterior, há luta e luta. Se você resolver partir para a luta irracional, salvem-se todos porque vai ser uma loucura. Nesta luta barra pesada, o que vale é o vale tudo, é o desespero, é puro barraco. Já notaram que as pessoas ficam mesmo descabeladas? Os ameaçados pela invasão de outro ser no seu território, partem para a ignorância, como se diz vulgarmente. Cuidem-se os invasores porque estarão jurados de morte.
Se o casal morar na mesma casa, uma das reações é o quebra-quebra, é o estraga-estraga. São livros que são rasgados, cds que são riscados, cadeiras que são jogadas, enfim, objetos da casa que são quebrados, resultando num prejuízo doído no bolso e no coração. Se você tem pistas da outra pessoa, destrua tudo porque vai imperar a total invasão de privacidade, no seu computador, nos seus escritos, na sua agenda, seja lá onde possa ser achada uma prova qualquer.
Olhem, meus caros, essa fase é barra! É choro e ranger de dentes. Os vizinhos, coitados, pisam em ovos, também só ouvem gritos, choro, maldição. Não raro, a coisa descamba de vez, e a pancadaria rola adoidada, até com chamada de polícia e sei lá mais o quê. Penso sempre nas seqüelas dessas violências entre casais, que podem enterrar, de vez, a relação. Ou não, na lógica de Nelson Rodrigues.
De todas as manifestações dessa fase, pra mim a mais dolorosa é a apelação, que pode se revelar de várias formas. É quando pinta a perda total da auto-estima, quando a tônica é a chantagem, até com ameaça de suicídio com a famosa frase: ”se você me deixar, eu me mato”, com choros desesperados, com súplicas descabidas, com perturbações na sua casa tipo telefone tocando a noite toda. A intenção é tirar sua paz vinte e quatro horas de cada santo dia.
Por outro lado, naquele que está evolvido com outra pessoa, pinta o famoso sentimento de culpa, por um lado e, de outro, conta com a interferência de amigos que ficam com pena da pessoa “atingida” e, não raro, fazem aqueles apelos pra você deixar o terceirizado e tentar a reconciliação.
Qual o prognóstico? Na minha visão, se tiver rolado o vírus da paixão na extra- relação, é provável que não tenha solução e o jeito é deixar rolar pra ver no que vai dar; se após os dois ou três anos, virar fumaça, poderá haver um retorno, mas se a paixão se transformar em outro amor, aí esse atual foi pro espaço. Mas se for apenas um caso sem grandes implicações, poderá haver recomposição da relação, apesar de que, em algumas dessas experiências, o quesito confiança pode ter sido abalado pra sempre. Contudo, aquele que pulou a cerca também pode ficar muito mal, aliás, fica mal antes, durante e, às vezes, depois. Como vêem, ninguém ama impunemente. Mas, esse é o tema da última fase desse tratado amoroso.


6ª Fase

QUANDO O AMOR ACABA

Na fase anterior, esqueci de dizer, que só nos resta mesmo torcer pra que em caso de paixão já contraída pelo nosso parceiro, o vírus tenha baixa potência e que vire logo fumaça. Mas se for pra valer, só resta ao abandonado paciência e resignação. Em outras palavras, o que chamam de dignidade.
Na verdade, penso que quando alguém se envolve pra valer com outro alguém, é porque havia fumaça. Quando se criam distâncias muito grandes entre o casal, o território está aberto a outros envolvimentos, daí o melhor mesmo é o cuidado da relação, no dia a dia.
É verdade verdadeira que nada há de mais triste do que quando um grande amor acaba. É um vazio, uma sensação de fracasso, de desânimo, de sofrimento profundo. Mas como tudo passa, essa dor também vai passar. E um dia a gente vai olhar pra trás e sentir, pelo menos, que lutou, ainda que de forma enlouquecida, mas foi a nossa possibilidade naquela situação. O melhor é guardar as boas lembranças do amor vivido, afinal foi um privilégio essa possibilidade.
Ter um único grande amor é o sonho de todos nós, mas convenhamos, é muito raro. O que temos, ao longo da vida, são alguns grandes amores, e talvez, na maturidade, algum deles nos acompanhe até a passagem dessa vida para o Além.
Como mensagem final desse Tratado do Amor, cada um de nós, depois de viver cada amor, deverá estar disponível e ter esperança de encontrar outro amor, sempre e sempre, pois poderá contrair um novo vírus da paixão a qualquer momento e começar tudo de novo, atendendo aos apelos da vida.

sábado, 30 de agosto de 2008

O AMOR É UM ESTADO DE RISCO


3ª Fase

QUANDO O AMOR ENFRAQUECE

Como tudo que é muito bom, aos poucos vai ficando bom, depois mais ou menos e pode ficar ruim.
Aquele amor da 2ª fase começa a dar sinais de que já não é mais o mesmo. Pequenos sinais que se fazem presentes aos poucos, espaçadamente de início, depois mais freqüentes, anunciando que nem tudo é mais azul e o vermelho não é mais tão presente. A chamada crise vai se instalando, lenta e inexoravelmente, como pequeninas doses de um antídoto à felicidade, fruto de muitas determinações como diriam os marxistas.
É o papo da cama que diminui, são as risadas da madrugada que ficaram escassas, a cama que de quente vira morna (embora pode continuar quente e, por isso, confunde), começa a se instalar o silêncio, esse grande inimigo, se impondo a crise, como senhora da despedida.
O que geralmente ocorre é que esses pequenos sinais, de inicio, não são percebidos, às vezes, não queremos identificá-los, seja por medo, seja por vaidade ou até por distração.
A verdade mesmo é que não há crise que não se anuncie.
É aqui que o perigo habita porque, de fato, é a hora de se fazer alguma coisa que possa ainda reverter a situação. Quase sempre, espera-se o pior pra fazer alguma coisa. Não podemos ignorar os sinais da vida, em relação a tudo, principalmente ao amor. “É preciso estar atento e forte”... como já disse o poeta. Mas a nossa cultura não é preventiva, só se põe a tranca na porta depois que ela foi arrombada. Fazer o quê?
Por que o amor enfraquece? São muitas razões. Penso que a principal é a monotonia do dia a dia, esquecemos de regá-lo com novidades, com pequenos cuidados, com surpresas ocasionais, tipo umas flores, uma viagem, um motel, um jantar à luz de velas, passar uma semana sem reclamar de nada, não falar dos defeitos do ser amado, destacar suas qualidades, se interessar por detalhes de seu trabalho, enfim, coisas assim.
No entanto, meus caros, se essa situação já estiver instalada, nunca é tarde. Lutemos para que esse amor não vá embora.

4ª Fase

QUANDO O AMOR SE DIVIDE

Bem, se você não fez nada pra enfrentar a frieza da sua relação ou se fez e não adiantou ou, ainda, se fez tudo errado, aí, Salve Rainha, fez-se tarde pra evitar o que mais temem os casais, que é a chegada de outra pessoa. O coração do seu amor está sendo visitado por outro alguém, por vezes, ávido por um amor como o seu. Daí começa a famosa divisão, como querem alguns, ou a infidelidade ou a traição, como pensam outros. Já lhes falei há muito tempo atrás sobre isso, não penso dessa maneira. Nada acontece por acaso.
A partir dessa desconfiança ou da certeza de que há um ser a mais nessa habitação amorosa, tem início a batalha. Mas há luta e luta.
Se você optar pela luta mais inteligente, então vejamos algumas opções. Reze muito, mesmo se não acreditar em nada; tente conversar, mas jamais propondo aquela máxima dos anos 1980: “vamos avaliar nossa relação”, que é uma coisa muito chata; fique em silêncio, faça meditação, o melhor é virar budista que é a calmaria total; desapareça por uns dias pra que sintam saudades um do outro; proponha uma viagem, mas não force a barra porque pode ser pior; faça terapia, convencional e alternativa. Se tiver medo de agulha, aproveite pra perdê-lo fazendo acupuntura, que é um santo remédio; se for loura, vire discretamente morena ou se for morena, clareie um pouco os cabelos, mas nada vulgar; se for barrigudo, corra todo dia; se for careca, faça implante; se for mau-humorado, trate de ficar engraçado; se for arrogante, fique humilde; se não gostar de sair, trate de se animar; se não bebe nada, comece a beber, porque nunca se sabe, talvez precise tomar uns porres. Mas não deixe de lutar pra não se arrepender depois. No entanto, sugestão final: nunca diga a seu parceiro que está fazendo tudo isso pra salvar a relação, o casamento ou seja lá o que for, vai parecer chantagem e nem é politicamente correto.
Se tudo isso não funcionar, então, meu amigo, minha amiga, a situação é grave e prepare-se para o pior, tema da quarta fase.

sábado, 23 de agosto de 2008

O AMOR É UM ESTADO DE RISCO


Vou lhes falar das várias fases do AMOR, desde sua origem até sua retirada de cena.


1ª FASE

QUANDO SE INSTALA A PAIXÃO

É a porta de entrada do Amor, o estado mais enlouquecido. A gente se apaixona quando contrai esse vírus, que mora nos mares bravios, nos campos floridos e viaja nos braços afobados dos ventos e, vez por outra, visita o centro da terra, se instalando em seres desprevenidos.
Na paixão não há lógica nem censura.Tudo é azul e vermelho.Viramos seres azuis, cobertos de nuvens. Já notaram como os apaixonados sentem mais frio? Pudera! Enrolados em nuvens...
Também viramos seres vermelhos, corações sagrando alvoroçados, almas desnudas. Ah! Os corpos, esses coitados, trêmulos, em brasa, mãos geladas, pernas bambas, sempre embriagados. De fato, nos transformamos em mendigos, esfomeados de carne humana, os próprios canibais desesperados.
A gente só enxerga o ser amado, aquela pessoa que não tem defeito, que não tem porém. Se for bonito, vira lindo. Se for mais ou menos, o que importa é o mais. Se for feio, pra nós é bonito.
Dizem que a paixão não pode ficar mais do que dois, três anos, é o limite desse estado pra qualquer humano não enlouquecer de vez. Depois desse tempo, ou ela se esvai como fumaça ou se transforma no que chamamos de Amor.
Contra a paixão não há antídoto. Mas, cá pra nós, a paixão é fundamental, quantas vezes ela nos visite, é maravilhoso vivê-la tal como se apresenta. É viver ou viver.

2ª FASE

QUANDO O AMOR ACONTECE

O amor, ah! o amor é um presente dos deuses, é um estado de graça. É o oposto da sofreguidão anterior. Mas não quer dizer que nele não haja paixão. A diferença é que a paixão muda de status, de um estado enlouquecido vira um tempero apimentado. Nada se iguala à vivência de um amor companheiro, solidário, em que o principal não é olhar um pro outro, mas na mesma direção. Nos valores, no modo de habitar este planeta, nos sonhos fundamentais.
Existe coisa melhor do que o aconchego na hora de dormir? E as conversas gostosas, com “risadas nos papos da madrugada”. Olhem, meus amigos, o humor a dois é fundamental. Pra agüentar esta vida, não tem melhor remédio.
Existe bem maior do que a segurança de que não se está só, que se tem alguém com quem pode contar nas escaladas da vida? A cumplicidade, o café e a conversa na mesa da cozinha, o cinema nas tardes de domingo, o encontro com os amigos, as viagens juntos, os embates de opinião, até as brigas, e melhor ainda é quando fazemos as pazes.
Penso que no amor cabe tudo, mesmo as nossas demandas mais absurdas, e até uma certa pieguice, afinal ele é multifacetado, com a grandeza e os limites dos sentimentos duradouros.
Se você tem um amor assim, cuide, agradeça, reze sempre mesmo se não tiver nenhuma fé, porque você é uma pessoa privilegiada, abençoada pela vida vivida e pela vida que virá, porque está cada vez mais difícil encontrar essa jóia rara. Porque se perder tempo, a qualquer momento, o vírus da paixão pode ser contraído por um dos dois e aí o amor vai pro espaço.
E o resto é abstracionismo...

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

ÁGUA CORRENTE

Para Maria Vitória


Meu coração está cheio de água
Com cheiro de chuva de minha infância
Água de rios e mares
Que trafeguei em viagens sonhadas
Água de poças estagnadas
De lágrimas contidas

No meu coração assustado
Há também córregos de águas límpidas
Correntes para o tempo infinito

Meu coração está cheio de medo
Do incerto previsível

Meu coração está cheio de emoções
Novas e perplexas
De estranha alegria
Com esperança do que virá.

sábado, 7 de junho de 2008

O SALTO DA SANDÁLIA

No bojo das lembranças e debates acerca de 1968, vou contar pra vocês uma experiência vivida em dezembro daquele ano, quando fazia faculdade em São Paulo, na cidade de Ribeirão Preto, militante aguerrida e dirigente do movimento estudantil paulista.
Àquela altura, já havia sido decretado o Ato Institucional n° 5, o AI 5, em 13 de dezembro. Também havia sido desbaratado, em 12 de outubro, o movimento estudantil com a prisão de mais de mil estudantes, no sítio de Ibiúna no interior de São Paulo. As lideranças estudantis que escaparam de prisões e as que ficaram preparavam focos de resistência, sobretudo, em São Paulo e Rio de Janeiro, onde esse movimento era mais forte.
Em Ribeirão Preto, organizamos uma passeata que ocorreria às 18h, por conta da aglomeração de gente nesse horário, em torno da rodoviária, distante do centro da cidade. Ao mesmo tempo, definimos como estratégia de segurança a divulgação boca a boca que a mesma dar-se-ia no centro, na principal praça da cidade.
Pela manhã, tivemos uma reunião de checagem dos preparativos e a mesma prolongou-se além do previsto, por conta de uma polêmica de encaminhamento, e não pude ir em casa trocar de roupa e, principalmente, colocar um tênis.
Fui comer alguma coisa com um companheiro num boteco e quando saíamos de lá, tropecei e caiu um salto de cerca de 4 cm de um pé da minha sandália.Vivi, então, um dos dramas da minha vida:
- Não acredito! Quebrei o salto de minha sandália.
- E agora, Rose?
- Que vou fazer? Não dá para ir assim pra passeata.
- Sua casa é aqui perto? Não dá tempo de você ir lá?
- Nem pensar, o encontro com o pessoal para passar as senhas é daqui a 1h20 min.
- Tive uma idéia. Vamos ao banheiro tentar arrancar o salto do outro par da sandália.
- Perfeito. Assim, ficarei com a sandália sem nenhum salto.Grande idéia, André!
Voltamos ao boteco e André dirigiu-se ao dono:
- Você tem um alicate, uma faca grande, algo do tipo?
- Bem, vou ver. Mas, você precisa disso pra quê?
Apressadamente, André explicou ao dono do bar, pegou a faca e nos dirigimos ao banheiro, meio desconfiados, pois tínhamos que entrar os dois juntos.
- Segura firme a sandália, Rose, que vou enfiar a faca.
- Meu Deus, isso é perigoso, se você errar o alvo pode cortar minha mão
- Não tem jeito, vamos lá.
Depois de várias tentativas sem conseguir arrancar o salto que estava preso mais fundo do que raiz de mangueira, André banhado em suor, rendeu-se:
- Não adianta mais, desisto. Só temos 45 minutos, vamos correr para os nossos contatos.
- E eu? Vou desse jeito? Com um pé de sandália com salto e outro sem?
- Não vejo outro jeito.
- Tô ferrada! Só pode ser castigo dos milicos.
E saímos os dois em disparada.
Quando cheguei ao local da passeata, meu corpo doía todo, meus pés eram uma desgraça só. Eu havia me transformado numa falsa manca revolucionária, por obra e graça de um salto de sandália.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

ANOS REBELDES DOURADOS

1968 é ano de lembranças, balanços e saudades. Talvez a pergunta mais presente seja: - “O que foi feito de nós, geração 68?”
Quanto mais vivo, menos rebelde e mais serena vou ficando. Seria assim com todos nós, com todas as gerações? Também me pergunto se não existem mais jovens rebeldes como no passado.
É lugar comum entre as pessoas duas afirmações: a primeira, que não são saudosistas e a segunda, que não se arrependem de nada que fizeram. Eu desconfio de ambas. Eu, ao contrário, me proclamo assumidamente saudosista ao cubo e me arrependo ao quadrado, de muitas coisas do meu passado.
Hoje, falarei um pouco de minha geração. E na linha do Zuenir Ventura, apontarei marcas que ficaram daqueles anos rebeldes dourados porque envoltos em pura luz de sonhos e quereres juvenis.
Quando olho pra trás e me vejo nos anos sessenta, o que as emoções remexidas no tempo me sussurram aos ouvidos são sentimentos de fé, coragem e ousadia. A gente acreditava mesmo que poderia mudar o mundo. Havia dentro de nós a coragem pra enfrentar todos os dragões de nosso caminho. E a gente carregava na mente e nos corações a ousadia capaz de virar o mundo pelo avesso. Éramos encouraçados pela insensatez dos sonhadores.
Éramos, de fato, a geração brancaleone e nossos ídolos, de ferro e fogo, símbolos de paixão, sonhos e liberdade.
Esses jovens guerreiros conseguiram sacudir as estruturas apodrecidas, revolucionar os costumes, plantar as bases de nova sexualidade, colocar a mulher na rota de sua plena emancipação, sedimentar o chão dos novos arranjos familiares de hoje e, especialmente, cultivar o primado da ética e o germe da busca da liberdade. Esta, sim, foi o maior legado que os filhos dos anos sessenta deixaram.
Olho novamente pra trás e o quê vejo? Os de ontem, loucos, ingênuos, deslumbrados, apaixonados, generosos, lunáticos, audaciosos.
Os de hoje, muitos (ainda) loucos, desiludidos, desbundados, desesperados, destemperados, sobreviventes...
Os também de hoje, muitos desensonhados, desencaminhados, remodelados, reideologizados, burocratizados, travestidos...
Todos nós, perdidos no tempo, cercados de dragões de aço...

sábado, 3 de maio de 2008

METÍNCULOS E LEVÍNCULOS

Há muitos anos atrás, quando eu morava em Londrina e trabalhava na Universidade Estadual do Paraná, tinha um amigo, o Ivan, de outro curso, que era muito divertido e espirituoso. Certa vez, quando conversávamos, um grupo de amigos, sobre pessoas que só se dão mal na vida, ele veio com essa: -- “Sabem de uma coisa, na vida só existem dois grandes grupos: os Metínculos, os que só levam a melhor e os Levínculos, os que só se dão mal”. E ficamos um longo tempo, entre um chope e outro, lembrando de casos de conhecidos que se enquadravam nessa “teoria” do nosso amigo.
Hoje, fiquei com vontade de brincar um pouco, tentando desenvolver essa teoria, que a meu juízo, tem muito de verdadeira.
Quem de nós não conhece protagonistas desses dois grupos? Vale lembrar que, como em todos os grupos, há frações como resultado de cruzamentos os mais diversos entre os tipos originais. Poderia começar dizendo que os Mentínculos são os que estão sempre na subida do morro e os Levínculos na descida da ladeira. Ou que os primeiros vivem metendo lenha e os segundos estão sempre cuidando dos prejuízos.
Se tiver que fazer um breve perfil desses personagens, diria que os Metínculos geralmente, por força do ofício, são pessoas loquazes, sedutoras, tidas como bom papo e boas companhias, portanto, a priori, candidatas, a levarem a melhor, em qualquer dos seus intentos. Os Levínculos, até por força do contínuo sofrimento, são mal humorados, pessimistas, chorões, não raro más companhias, logo, predispostos a se darem mal nas suas empreitadas.
Como o ser humano é um ser complexo, muitas vezes, os Metínculos são perdoados com facilidade em suas ações de mau caratismo, possivelmente em razão de sua simpatia no pedaço. Afinal, eles não dão o pão, mas oferecem, o circo (com ônus, é certo), a quem quiser usufruir de sua companhia. Por sua vez, os Levínculos, apesar de sua correção, nem sempre contam com solidariedade nos seus freqüentes fracassos, também porque são pessoas pesadas e oferecem pouco na sua convivência, afinal, há que se ter um pouco de pilantragem pra animar a vida.
De outro prisma, há um contraponto entre esses dois grupos que acaba facilitando a sobreposição de um sobre o outro. É que no terreno dos Metínculos, há mais organicidade, eles são mais estruturados, mais conformados na sua versão de tirar vantagem, há como um certo orgulho na sua contabilidade de passar os outros pra trás. Já os Levínculos, como se sabe, no terreno do bem, há uma grande dispersão, eles até são a maioria, mas de nada adianta, pois não têm aquele charme, aquela competência pra fazer valer suas ações e enfrentarem seus opositores.
E tem ainda um detalhe que faz toda diferença: a sorte está com os Metínculos, eles ganham loteria, rifas, bingos, são uns danados, nesse particular. Os Levínculos, coitados, não ganham nem sorteio da paróquia ou culto do bairro nem mesmo rifa que corre em família. Quando tiveram algum ganho desses, foi em aposta de briga de galo na periferia da cidade entre galos caidaços, que quase nem conseguiam bicar um ao outro. Como vêem, dá vontade de chorar com pena desses irmãos em Cristo.
E o pior de tudo: parece que os Levínculos têm uma atração fatal pelos Metínculos. Logo, é caso perdido...
Enfim, meus caros, o restante dos humanos mortais, são todos cruzamentos variados de classe social, de geração, de etnia, de gênero, e até de sexualidade, dos capitães desses dois grandes times, modelitos da sorte e do azar. Podem conferir! E depois me contem...


sábado, 26 de abril de 2008

POESIAS / LETRAS DE MÚSICAS (ROSE SERRA)

O Que Sinto por Você
É vento de litoral
É mar de maré cheia
É sol de verão
Lua cheia de mistérios
É fogo de fogueira de São João
É lava de vulcão (Refrão)

O que sinto por você
É vento de litoral
Barulhento e ligeiro
Cantando teu nome
O tempo inteiro

O que sinto por você
É mar de maré cheia
Cobrindo a areia
Esfriando meu corpo
Tão quente de desejo
Carente do teu beijo

O que sinto por você
É sol de verão
Ardente e braseiro
Envolvendo meu corpo por inteiro
Chamando por você
Querendo só você

O que sinto por você
Lua cheia de mistérios
Iluminando o teu amor
Nos caminhos brejeiros
Por dentro de mim

O que sinto por você
É fogo de fogueira de São João
Labareda incandescente
Queimando o meu corpo tão ardente
Ardente de desejo
Ardente por teu beijo

O que sinto por você
É lava de vulcão
Fervilhando, ardendo em brasa
Explodindo cá dentro do meu peito
Queimando por você
Todinha por você


Alegria Triste

A vida é dor
É ilusão, é fantasia
O coração se defende
Na emoção
Com riso, sedução
Sexo e paixão

O riso
Companheiro do humor
Debocha das dores da vida
É a compressa
no meu coração ferido

A sedução costumeira
Se vinga da solidão vazia
Que ronda
meus dias sombrios

O sexo fácil é fachada
Da saudade
De ti, de nós
É o avesso
Da sua presença
marcada em mim

A paixão é voraz
Queima meu corpo e minha alma
É o alimento que mistura
Prazer e dor

Mas quando me olho
O que vejo
São olhos tristes
Disfarçados de alegria
De bar e de cerveja


Meu Amor Derradeiro

Meu amor derradeiro
É você
Espalha-se pelo corpo
Como água corrente
Em todos os poros
Lavando minha alma

Esse amor derradeiro
Não tem tempo
Porque é o tempo inteiro
Não tem pressa
Porque é preguiçoso
Não tem medo
Porque tem ancoradouro

Assim é esse amor
Que sinto por você
Amor de hoje e de sempre

Abençoado amor
Esse amor derradeiro

sábado, 19 de abril de 2008

VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA – A PIOR DAS VILANIAS

Esperei a confirmação do que as aparências indicavam para manifestar minhas emoções. Por uma questão de convicção, não gosto de acusar ninguém sem que haja evidências de sua culpabilidade.
A reação nacional à morte da pequena Isabella é uma lavagem da nossa alma.Trata-se de uma morte cujos presumíveis assassinos são o pai e a madrasta de uma criança indefesa e praticada de maneira cruel e em articulada e criminosa parceria. O que ela sofreu naquela noite foi uma caminhada para a morte, com sessões contínuas de tortura. Esta morte nos horroriza e expõe a nossa humanidade, já tão desumanizada nestes tempos de insensibilidade generalizada. Não faço distinção entre quem é o maior responsável pela morte de Isabella, pra mim os dois são culpados, sendo o pai, por ser o pai, de fato, o maior culpado. Seja porque sua preocupação principal foi tentar ocultar a responsabilidade da mulher ao jogar pela janela a menina, quando imaginou que ela já havia morrido ao invés de gritar por socorro pra sua filha agonizante. Seja porque resiste a contar a verdade pra assumir a culpa por esse crime hediondo. E, sobretudo, pelo já comprovado pericialmente: que foi a queda que provocou a morte dessa pequena inocente.
Nesses vinte dias, sofri muito e sofro ainda, chorei e ainda choro, tive pesadelos, noites dormindo pouco, pensando na condição humana de bestialidade a que chegou o chamado ser humano. Não encontro respostas satisfatórias, mais uma vez, frente a este fato, para a pergunta que já me fiz muitas vezes na minha vida: o que de mais cruel habita potencialmente as mentes e corações de adultos que os levam a cometer atos tão violentos contra as crianças? E, em especial, meu Deus, o que pode explicar que pessoas que supostamente amam suas crianças as maltrate costumeiramente, levando-as até a morte? Como a família, que deve ser o lugar da proteção e da segurança infantil, pode se transformar no território da ameaça, da crueldade e até da morte. Por quê? Por quê?
Tenho buscado, dentro de mim, alguma explicação, à medida que vou sendo testemunha, nesses tempos macabros que vivemos, da violência contra as crianças, pelo nosso planeta afora. Uma das explicações que penso ter peso significativo, tem a ver com essa invencionice estúpida que os pais e/ou responsáveis podem agredir fisicamente os filhos, em nome de uma suposta educação. Onde surgiu isso, esse considerado direito? Em nome de qual teoria foi ele legitimado? Pergunto: qual o limite do tipo e dosagem que a utilização dessa ação covarde pode ser consentida, tolerada? Enfim, qual o real sentido do uso desse expediente agressivo senão fomentar na convivência com as crianças a cultura do medo, da opressão, em razão dos laços de pátrio poder, de responsabilidadesl pelas mesmas. Continuo especulando: o que é permitido nessa ação paterna/ materna? Somente puxar as orelhas, dar um tapinha nos ouvidos, uma sacudidela, um empurrãozinho? Ou também uma surra com cinturão do pai, com uma corda da mãe, um chinelo de ambos, uns tapas mais contundentes nas caras infantis, uma violenta puxada de cabelo, uns chutes no seu corpo?
Ora, meus caros, vamos convir, que bater ou não em alguém, é ou não é lícito. A classificação desse ato em graduação ou pós-graduação em violência, é conversa pra boi dormir. Sou e sempre fui radicalmente contra essa história de que criança deve apanhar pra ser melhor educada. Penso ser este o maior atestado da incompetência do ato de educar; é, também, a expressão da morada nos recônditos violentos dos pais que assim agem, da sua porção violenta, da resposta, através dos filhos e/ou parentes, às suas necessidades agressivas, descontando nos mesmos suas frustrações, sua vontade enviesada de bater em outros adultos, enfim, do extravasamento dos seus desejos de agressão. Afinal, esse alvo infantil não lhes causa nenhuma ameaça nem a possibilidade de alguma reação. Porque, sobretudo, contam com o silêncio da vítima que, por temor e por conta das recomendações ameaçadoras do agressor, não denuncia a ninguém sua condição de vítima na sua própria família.
E tem mais: a violência dos pais com os filhos se reproduz indefinidamente, pois, os filhos agredidos serão pais violentos e, assim por diante. É o palco mais eficiente de escola de violência.
Por tudo isso, essa é a maior das vilanias. Aquela de mais difícil enfrentamento. Por vezes, escondida e silenciosa. Nos quartos e salas de todas as classes sociais. De todo tipo de gente. Das também pessoas gentis e educados fora de seus lares. Dos que praticam credos religiosos de todo tipo. Dos que são adeptos de teorias revolucionários a favor dos explorados e oprimidos. Enfim, desse chamado ser humano que tem em casa um laboratório disponível, cujo pré-requisito é tão somente ter, adotar filhos ou cuidar de crianças por esse mundo sem Deus.
Denunciemos nossos vizinhos, desconhecidos e até nossos conhecidos, se por ventura identificarmos que uma criança, sob sua guarda, corre perigo. É o mínimo que podemos fazer para o enfrentamento dessa covarde vilania. E, em defesa efetiva dessas crianças.
De minha parte, estou envergonhada da minha espécie. E choro por todos nós, os seres ditos humanos.

sábado, 12 de abril de 2008

DE FILHA DE MARIA A FILHA DE IANSÃ

Não tenho religião, mas aprecio a religiosidade e sou, digamos assim, espiritualista. Uma marxista espiritualista. Deu pra entender? Esta questão está sempre presente em minha vida como algo que me interessa enquanto um componente de estudo da Antropologia, e também como significado da religião na vida das pessoas ou expressão das emoções humanas.
De todas as religiões que pude conhecer ou ter contato com seus adeptos ao longo de minha vida, as de origem africana foram as que mais me sensibilizaram, penso que por conta de suas expressões e de seus rituais muito ligados à natureza, aspecto que me fascina em muitos territórios da vida.
No entanto, nem sempre pensei e senti dessa maneira. Séculos atrás, quando fazia o antigo ginásio em regime de internato, em colégio das freiras Dorotéias, irmandade muito chique da minha terra natal, o mesmo colégio onde estudou minha amiga Josefa Baptista Lopes, cheguei a ser filha de Maria, simbolizado numa fita azul em volta do pescoço, sinal de que eu prometia no futuro ascender nesse terreno religioso. Ao mesmo tempo, já apresentava os primeiros sinais de minha rebeldia, traço genético de minha personalidade. Implicava com alguns dogmas dessa religião. Por exemplo, a história de Cristo não ter nascido do ventre da Santa Virgem Maria e, sim, via Divino Espírito Santo, que vinha a ser uma pomba, assunto já abordado em crônica aqui, postada tempos atrás. Achava essa versão, no mínimo, um conto infantil. Também já me rebelava com a condição de castidade imposta aos padres, que não podiam se casar, soando aos meus adolescentes ouvidos como uma espécie de repressão sexual.
Tempos depois, já adulta, compreendi que aqueles sinais já anunciavam o meu futuro de transgressora bio-psico-social...e sexual ..rs.
Quando tive meu primeiro contato com a religião afro, eu achei um barato, aquele ritual alegre, as danças dos orixás, lindas e sensuais, aquele sentido de ajuda sem imposições, enfim, tudo isso me seduziu. Mas já lhes disse aqui nos meus escritos anteriormente que, à medida que vou vivendo, mais estou convicta que tudo é uma mistura geral, uma “metamorforse ambulante” , portanto, uma geléia ampla, geral e irrestrita. Quem não muda nada, já morreu, por dentro.
Mas, apesar dessa atração pela religião afro, não me filiei à mesma porque sou, de certa forma, meio como quê, infiliável, não gosto muito de ter que fazer isto ou aquilo, gosto da liberdade de aderir a, quando bem me der na telha. Daí, por vezes, vou a lugares onde a proposta é de sincretismo, uma mistura de catolicismo com espiritismo e com afro e com mais alguma coisa. Foi numa dessas minhas experiências que a Mãe de Santo de uma Casa dessa natureza aqui no Rio, deu a mim o sinal que eu sou Filha de Iansã, coisa aliás que eu já descobrira em outros paragens, já tinha lido sobre Iansã, a rainha dos ventos e tempestades, e me identificava com essa senhora orixá. Contudo, reitero, a minha ligação é pra ser do meu jeito, sem pré-requisitos e sem obrigações. Quando a Mãe de Santo referida completou, me dizendo: “você está pronta pra ser uma das nossas”, eu literalmente fugi, morrendo de medo das implicações dessa sinalização.
Penso que não sou chegada a ser uma religiosa formalmente, já pensaram eu atuando como integrante de um terreiro de umbanda, que prefiro à candomblé, aliás, não sei bem porquê, dançando, dando passe, tudo que implica essa religião, não me parece que levo muito jeito. Ou sim? O que vocês acham?

sábado, 15 de março de 2008

O QUE FOI FEITO DE NÓS? O QUE SOBROU DE NOSSOS SENTIMENTOS?

Hoje estou em paragens sombrias, manifestando-se em mim um outro lado meu, talvez o Lado D, de desilusão total. O meu sentimento é de muita tristeza e de desgosto comigo, com meus semelhantes, em relação à degradação contínua de nossas relações, dessas relações tidas como humanas. Ainda, pra combinar com o meu estado, chove muito e faz frio, depois de muito tempo, nesta cidade que teima em ser maravilhosa.
Será que estou exagerando? Ao final deste texto, por favor, me digam.
Vocês também identificam no dia a dia, sobretudo, no ambiente do trabalho, relações cada vez mais frias, distantes, individualistas, sem solidariedade? Já lhes aconteceu de saberem, de chofre, que uma colega de trabalho, faleceu há mais de um mês e vocês nem sabiam que ela estava prestes a nos deixar? Ou, que um outro colega, dos mais antigos, perdeu sua companheira de muitos anos, sem que vocês também soubessem que tal pessoa estivesse doente a esse ponto? Quase ninguém soube à época das mortes. Que coisa horrível! Que vergonha deveríamos sentir de coisas desse tipo acontecerem perto de nós e de, a um passo, poderem também ocorrer conosco.
Hão de convir que fatos como esses são muito graves e estão pipocando por aí, talvez em todos os lugares, de alguma forma, como sintomas graves de nosso fracasso como seres ditos humanos, como resultante de mil razões que nós os ditos intelectuais, defensores dos desvalidos e oprimidos, nos arrolamos o papel de especialistas em diagnosticá-las.
Uma questão séria são as chances de se viabilizar um projeto ético-político X ou Y se os seus atores enfrentam sérios empecilhos na convivência no trabalho, cuja existência dos mesmos não é de sua inteira responsabilidade, é verdade, mas o seu enfrentamento é, sim, da sua alçada, no mínimo, amenizando essas dificuldades para se proteger contra esse tipo de mundo atual. Como disseminar a mensagem da transformação social, se nesta devem fazer parte, necessariamente, os ingredientes da solidariedade, da compaixão, do interesse pela vida do outro, se ele está bem ou não, se no caso, não está, literalmente, às voltas com a morte, o contraponto, afinal, daquilo que consideramos o bem maior, a Vida? Como, meus amigos, transformar o mundo, esse tal mundo destruidor da vida de milhões, se dentro de nós, à nossa volta, não cultivarmos sentimentos germinadores desse amor maior pelas multidões? Como será possível?
Pra amenizar um pouco o tom da minha dor interna, deixem eu lhes contar um fato que, de outro prisma, ilustra bem a degradação das condições materiais de existência, e que também vivi no trabalho, ou melhor, num banheiro do meu local de trabalho. Como o sabonete é um produto absolutamente indisponível em instituições do tipo e, como gosto de lavar as mãos com tal produto, resolvi há uns tempos atrás, levar um sabonete de tamanho normal pra durar mais, já que levava sempre aqueles pequenos que guardava dos hotéis, com tal finalidade. Eis que ao retornar ao mesmo banheiro, umas duas horas depois, cadê o sabonete? Cheguei a duvidar da minha memória, uma estratégia nada fora de cogitação porque ando mesmo meio desmemoriada, que até pode ser um jeito de agüentar esse viver. Mas, uma semana depois, levei outro sabonete do mesmo tamanho e não é que aconteceu o mesmo sumiço. Não precisamos fazer nenhuma análise, não é mesmo?
Frente a esses episódios, não sei o que fazer.Vocês podem me ajudar?
A verdade, meus caros, é que os corredores institucionais em nada se diferenciam das calçadas das ruas das cidades grandes, eles se transformaram em passarelas de uma sala pra outra, onde as pessoas que trabalham naquele local, algumas que até já foram muito amigas, se cruzam, emitem ( ou não) um cumprimento formal, inaudível, e seguem adiante...como se fosse um ato super natural. Não vou aparecer aqui como diferente, eu não tenho vontade de falar com ninguém dessa maneira, é melhor que não nos falemos mesmo.
Mas, vou confessar pra vocês uma verdade interna: eu sofro com isso, eu me sinto mal. Ingenuamente, numa luta interna de crença/descrença, talvez ainda pense ou me esforce pra pensar como Brecht: ”que nunca se diga isso é natural”...


sábado, 8 de março de 2008

O CHIBATÔDROMO

Como vocês sabem, não ando muito bem do juízo, o meu Lado C está em plena erupção – aquele lado totalmente livre, solto, inconseqüente.
Nessa onda, ando pensando muito nos últimos tempos sobre a necessidade de ser criado em nosso país, o Chibatôdromo, uma espécie de reedição modernizada do Coliseu da Roma antiga, com propósitos diferentes, é claro, dadas as premências que esses chamados tempos modernos nos impõem na atualidade. O meu objetivo é outro: usar um instrumento eficaz e que possa sanear, de vez, a crueldade da ação dos infratores/matadores do trânsito. Duvido muito que haja alguém que dirija (ou não) que não tenha tido inúmeras vezes a vontade de literalmente esganar algumas personagens que dirigem por aí, por exemplo, motoristas de ônibus e, por vezes, taxistas além de muitos não santos mortais.
Como seria esse Chibatôdromo? Como o próprio nome indica, construiríamos um lugar tipo um teatro de arena ou ginásio de esporte, onde seriam aplicadas chibatadas, ao pé da letra, nessa turma incontável de pequenos, médios e grandes infratores/criminosos do trânsito. Haveria o funcionário público chamado chibatador com um salário decente e escolhido mediante critérios bem práticos: boa índole, porte físico adequado, bem nutrido, uniformizado e tendo como objeto de trabalho uma chibata de couro resistente e bem cuidada, dentro de um guarda-chibata bem chique.
Seria criado o Código do Chibatôdromo, algo mais ou menos assim, em termos de aplicação das chibatadas, com treze artigos porque, afinal, é o meu número de sorte:
1°- 100 chibatadas para quem matasse 1 pessoa em acidente, acrescida de doação do veículo, fosse seu ou não, para a família da vítima, e perda definitiva da carteira.
Parágrafo Único - Para cada pessoa a mais que morresse vitima do acidente, teria o acréscimo de mais 20 chibatadas.
2°- 90 pra quem provocasse seqüelas graves definitivas, sempre com o mesmo acréscimo do item n° 1: mais chibatadas se atingisse mais gente, apreensão do veículo e perda da carteira.
3°- 80 pra quem provocasse seqüela grave temporária, acrescida de 10 chibatadas pra mais alguém atingido e perda temporária da carteira e do veículo por vinte e quatro meses, ficando este com a família da vitima, se fosse a vontade desta.
4°- 70 se alguém destruísse o veículo de outrem sem vítima, ainda que tivesse seguro, além da apreensão da carteira por 8 meses.
5°- 60 se fosse pego dirigindo embriagado, mais a apreensão do carro por três meses e da carteira por seis meses.
6°- 50 se dirigisse em contra-mão e apreensão da carteira por seis meses.
7°- 40 se dirigisse sem carteira, apreensão da carteira por quatro meses e, em caso de menor de dezoito anos, as chibatadas seriam dadas ao pai, mãe ou responsável.
8°- 30 se dirigisse em velocidade acima da permitida e apreensão da carteira por cinco meses.
9° - 20 se ultrapassasse sinal vermelho e apreensão da carteira por três meses.
10°- 15 se cortasse em direção errada o veículo de alguém.
11°- 10 se dirigisse com carro sem condições de segurança.
12°- 10 se buzinasse de maneira estridente em local e/ou horário proibido.
13°- 5 se xingasse ou ameaçasse com ações o motorista ao lado.
Parágrafos Especiais:
& 1°- Os motoristas de ônibus e de caminhões, além das chibatadas, teriam em qualquer das situações, exceto os itens 12 e 13, suas carteiras cassadas definitivamente.
& 2°- O Chibatôdromo funcionaria como espetáculo público, com ingresso simbólico, cuja renda seria destinada a programas de educação no trânsito
& 3°- Todos os infratores teriam seus rostos e currículos afixados em lugares públicos e divulgados na imprensa escrita, falada, televisada e internet, para que não se aventurassem mais a cometer tais delitos.
& 4°- O Chibatôdromo teria o tempo de funcionamento experimental de 12 meses, findo o qual, seriam medidos os índices de redução das infrações de trânsito.Se o índice fosse no mínimo 90%, seria dada à população 12 meses de oportunidade para a mudança definitiva dos comportamentos nocivos no trânsito. Caso contrário, chibatadas de novo...

Cá pra nós, embaraços à parte, o Chibatôdromo não resolveria a violência do trânsito
?

sábado, 1 de março de 2008

O QUE ASSUSTA PODE ATRAIR E... ATÉ VICIAR

Podem acreditar, eu era mais feliz quando era mais simples e... mais pobre. Sei que a segunda parte da frase é uma afirmação horrível pra alguns ou muitos de vocês, principalmente os intelectuais que são muito chegados à opção preferencial pela pobreza (embora eu nunca tenha acreditado nessa conversa ilusionista). Pois bem, meus amigos.Vou lhes dar um exemplo dessa minha conclusão. Tempos atrás, fiz uma crônica chamada Lado B que se traduzia em explorar o meu lado mais leve, com preocupações mais existenciais. Este texto aqui pelo seu conteúdo se encaixa no meu Lado C, aquele esquisito, doidão, bizarro. Como veio à tona esse lado? Esses lados vêm ou não à tona, isso não é bem direcionado pela nossa vontade que alguns pensam que tudo pode, mas por alguma ocorrência, algum sinal ou motivação que nos toca mais fundo.
De novo, a TV na minha vida, é isso mesmo, eu gosto muito de TV, de um filminho, de um noticiário básico, de documentários os mais variados e, mais recentemente, dessa temática esquisita, qual seja as catástrofes passadas e futuras da natureza. Neste último caso, me descobri atraída por esse assunto, por acaso.Comprei no segundo semestre de 2007 um daqueles pacotões de filmes e outros programas da NET e HBO e testando vários deles me deparei com o canal 82 The History Channel. Olhem, achei um barato e fiquei fissurada, dependente mesmo. São sinalizações demonstradas por cientistas os mais renomados. Aqueles caras com cara de louco que de tanto conviverem com tais possibilidades já têm o cabelo em pé, os olhos esbugalhados, as mãos agitadas, enfim aquele perfil que em si mesmo já nos apavora. Apresentam continuamente o panorama trágico do que vai ocorrer em determinadas regiões do planeta.São erupções de vulcões, terremotos, maremotos, furacões, destruição em massa, cidades que vão desaparecer como Tóquio, regiões que vão deixar de existir e mais e mais desgraças.Tudo muito explicado e justificado cientificamente, repito. A perfeita “volta do cipó no lombo de quem mandou dar”, como dizia aquela canção "Arueira"de Geraldo Vandré. A mãe natureza que já tem seu lado cruel nas suas entranhas, quando continuamente maltratada pelo homem vai ficando cada vez mais enfurecida e dá o troco mortal.
Vocês a essa altura se perguntam, mas essas catástrofes não vão ocorrer em águas do Pacífico, em terras do Atlântico norte, em regiões orientais, por que você fica tão mobilizada se nosso país está resguardado desses grandes anúncios,a ponto de se viciar com essas noticias e cultivar essas imagens terríveis no seu sagrado lar? Eu respondo a vocês de uma maneira direta: só pode ser minha cabeça de marxista com essa mania de me preocupar com o futuro da humanidade, resquícios da idéia de revolução internacional, só pode ser isso. Fico imaginando aquelas multidões sendo esmagadas e tragadas pela água, pelo fogo, pela terra, um horror. E, esteticamente, aquele montão de destruição. Uma calamidade!
Mas, eu gosto por demais desse canal 82, como diriam os mineiros. Estou viciada, afinal provoca uma espécie de alucinação.Vejam só no que me transformei. Culpa do Lula e de seus companheiros. Pra terminar, diria como ele: Nunca nesse país pude ter um gosto tão bizarro, tão maluco, ao invés de me preocupar com a revolução permanente.
Vou finalizar agora este texto porque daqui a pouco vai passar um programa sobre o vivido furacão Katrina e seus efeitos terríveis, vou ligar a telinha e curtir minha maluquice.
Garanto que parte de vocês está super curioso e penso que terei uns concorrentes. Ou não?

sábado, 23 de fevereiro de 2008

QUE PAÍS É ESTE ? SOMOS TODOS CORRUPTÍVEIS?

Penso que para conhecer e entender mais profundamente nosso país e nosso povo, é preciso vê-los como se fossem nossa infância, ao pé da letra. Vejam bem o que quero dizer: não é na infância que se forma nosso caráter? Não é nela que ficam as marcas mais arraigadas e que moldam nossa personalidade? Não precisamos ser psicanalistas pra termos essa compreensão. É apenas uma questão de melhor conhecimento de nossa história.
Olhem, meus leitores, a culinária mais perfeita é a que mistura os ingredientes marxistas com os psicanalistas. Principalmente, pra explicar o passado de um povo, de um país, de uma pessoa. Atenção meus queridos amigos marxistas, sem preconceitos com esta afirmação! A vida é uma mistura mesmo, de tudo, queiramos ou não.
Mas, voltemos ao nosso passado, assunto que quero tratar agora, sobre a origem e formação de nosso país. Afinal, nós realmente sabemos quais são os reais traços constitutivos de nossa cara, de nossa cabeça, tronco e membros?
Olhem bem, pra chegar às respostas a essas perguntas, não tem muito segredo, não. Basta que recorramos à memória de nossa formação, só precisa que voltemos aos tempos coloniais, que nos debrucemos sobre os primeiros traços de manifestação de nosso caráter enquanto povo, às marcas que nos formaram e nos acompanham até os dias de hoje. É aqui que precisamos encarar de frente os nossos patrícios, os queridos ou não, portugueses da gema, os verdadeiros formadores de nossa nacionalidade brasileira. A começar, vamos lembrar ou reconhecer os reais motivos da vinda desses cabras pra nossas paragens e de sua efetiva contribuição pra nos fazer tal qual somos na atualidade.
A partir dessa introdução, para alguns de vocês ou para muitos, um tanto quanto fora de época e de propósito, vou lhes contar o que me motivou escrever essas mal traçadas linhas. No início da noite da última quinta feira, estava eu procurando na TV um noticiário, quando ao sintonizar determinado canal, as manchetes eram as de sempre: roubalheiras no setor chamado público. Desgostosa com tais informações tão repetidamente espalhadas pelo país inteiro, mudei de canal. Aí foi pior: o apresentador já estava relatando uma notícia sobre a tão famigerada corrupção nos rincões brasileiros. Pensei cá comigo, vou esperar esta notícia passar que talvez venha algo mais original. Eis que vieram mais três casos na mesma linha, um roubo aqui, uma falsificação ali, uma quadrilha acolá. Aliás, lugar comum. Não tive outra opção pro meu estômago já tão embrulhado: desliguei a TV e fiquei matutando a respeito.
Lembrei-me, a propósito, que cerca de uns dois anos, tive acesso a um ranking de honestidade em terras européias e latino-americanas. A Itália e alguns países co-irmãos continentais, entre eles, o Brasil e o Peru, estavam entre aqueles onde honestidade era uma habitante minoritária. Os paises escandinavos, ao contrário, figuravam entre os campeões de honestidade, tendo à frente a Dinamarca. No mesmo momento, veio à minha lembrança uma pesquisa, penso que realizada em 2006 pelo IBOPE, que apresentou como conclusão o índice de 70% de brasileiros situados no campo dos corruptos, corruptores ou corruptíveis. E vejam bem: corrupção encarada não apenas como roubar dinheiro público, mas ações, posturas, comportamentos do cotidiano que espelhavam o nosso caráter desonesto frente às nossas ações do cotidiano. Desde furar filas, solicitar privilégios, aceitar favorecimentos ilícitos ou não, dar propina, enfim, a famosa lei do Gerson: tirar vantagem em tudo.
Daí, meus caros, fiz a conexão com o período colonial e lá tudo isso estava posto: a relação com o chamado bem público, a privatização do Estado a serviço do favorecimento do privado, todas essas coisa que aqui estão até o presente.
Fiquei pensando se essa é realmente a feição dos países onde o Estado foi criado antes da sociedade civil e esta se amoldou ao mesmo, como no caso brasileiro. Diferentemente de países onde foi a sociedade que constituiu o Estado e este foi desenhado de uma maneira mais propícia ao controle social. Ou então, o ser humano como espécie é corruptível geneticamente? A corrupção não está em todos os rincões e conformações humanas: religião, política, profissões, em todas as ações humanas? A condição corrupta não será apenas uma questão de oportunidade, de proximidade com as possibilidades de “acesso” aos bens públicos, aos privados bens de outrem?
Seja o que for, o meu sentimento é de total desconfiança com a possibilidade de mudança nesse terreno. E não me venham com essa conversa pra boi dormir que os políticos profissionais é que são os corruptos, como se eles não fossem parte do povo. Ou ainda, como se o povo ao eleger costumeiros corruptos, não fosse tão corrupto quanto, ao certificar pelo voto a trajetória e interferência dos ditos cujos na ação pública de apropriação dos bens públicos. Ou o mais simples, como se a geradora de todo e qualquer corrupto não fosse a barriga do povo. Mesmo quando ela é uma barriga de aluguel.
Enfim, meus caros, falei bobagem? Ou o mais grave, falei alguma inverdade? Ou ainda, existe mesmo essa invencionice denominada de bens públicos?

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A SEXUALIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE – JÁ PENSARAM NISSO ?

A Santíssima Trindade, como sabemos, é um mistério.Três pessoas ou entidades numa só é assim que a Igreja Católica nos ensina, algo só aceito no terreno da fé. Há cerca de um ano, um pouco mais talvez, as meninas do Programa Saia Justa, do canal GNT da TV a cabo NET, discutiam a sexualidade de Deus e não chegando a um consenso a respeito, dada a complexidade dessa discussão, jogaram para seus leitores a tarefa de opinar a respeito.
De cara, fiquei interessada a respeito. Dias depois, numa fila de banco presenciei uma conversa entre duas amigas ao comentarem o tal programa:
- Sexo de Deus? Puxa vida, nunca pensei a respeito, sei lá. Se for só Deus, penso que Ele não tem sexo, é mesmo alguém assexuado.
- Da minha parte, concordo com você, alguém pra ter todo esse poder e essa moral intocável, só pode ser assexuado.Até porque o sexo pra Igreja Católica é algo proibitivo, pecaminoso, donde se conclui que ser assexuado é tudo de Bom.
- Quanto aos outros integrantes da Santíssima Trindade, você tem uma opinião?
- Perfeitamente. Jesus não é Deus feito homem? Então, nessa lógica, só pode ser o macho dessa trindade.
- Mesmo sendo ele filho do Espírito Santo?
- É uma explicação preconceituosa da Igreja. Por que não poderia Deus feito homem nascer da barriga de Maria, já que seria um homem como os demais terrenos?
- Não havia pensado nisso, mas faz todo sentido.O Cristo teve uma sexualidade, daí as fofocas envolvendo-o com Maria Madalena.
- Perfeita sua conclusão.Quanto ao Espírito Santo, essa entidade é confusa. Ao mesmo tempo que foi o autor da criação Jesus Cristo na barriga de Maria, Ele é conformado como uma pomba.
- Você sabe da onde veio essa ligação do Espírito Santo com pomba?
- Não tenho a menor idéia. Além do quê, por que o símbolo é uma pomba e não um pombo? A minha interpretação é que com ou sem essa intenção, foi criado o primeiro gay da era cristã, o Espírito Santo.Convenhamos que foi algo super avançado pra aquela época, em se tratando da Igreja Católica sempre tão conservadora em relação a costumes.
- Sem falar que há ainda a pomba gira.
- Mas, essa já é de outro departamento, de outra religião. Merece outro papo.
- Atenção Saias. Se liguem!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

SONHOS, FANTASIAS, ILUSÕES - IMPERIOSAS NECESSIDADES FRENTE À VIDA REAL

Fico pensando o que seria de nós, esses complicados seres terrestres, se não tivéssemos ao nosso alcance esses escapismos deliciosos para nos ajudar frente à realidade crua e nua de nosso nem sempre santo dia. Ao mesmo tempo, imagino se todos os seres precisam, de fato, desses ajudantes. Será que as pessoas que amam a vida, incondicionalmente, precisam menos?
O que sei é que quanto mais vivo mais identifico formas cada vez mais criativas de fugir da vida real e fico fascinada com tais inovações que expressam a capacidade do homem de criar mecanismos, instrumentos e situações de auto defesa e proteção contra realidades insuportáveis ou, simplesmente, buscando ter mais prazer.
Chamo a atenção de vocês para o significado de afirmações de pessoas sensíveis e especiais do nosso planeta que trafegam no terreno dessas necessidades. A Arte, por exemplo, maravilhosa criação do homem, em suas múltiplas expressões, é uma espécie de fantasia maior. Um dos seus representantes, Fernando Pessoa, poeta iluminado, nos apontou que “a arte é uma confissão de que a vida não basta”. Nietzsche afirmou: ” temos a arte para que a verdade não nos destrua”. O sentido explícito e implícito dessas afirmações nos dá munição para uma bela viagem de interpretações.
A Religião é também uma manifestação poderosa nesse território, totalmente diversa da Arte. Nela identificamos variadas manifestações da substituição do nosso próprio significado do que chamamos vida através de seres do além, entes superiores ao homem, os deuses do Bem. Nesse caso, a fantasia atua no papel de proteção, de promessa, de compensação ao exercício do bem, de cura da alma, do sobrenatural. A Religião é um lenitivo extraordinariamente forte e, por vezes, pode produzir paradoxalmente a destruição da vida, em nome dos seres do Bem, como atestam as guerras religiosas em vários períodos históricos.
Acabamos de vivenciar mais uma passagem formal do calendário anual de outra manifestação ilusionista, focada especialmente nos ingredientes da alegria, da folia e do barulho inofensivo, expressões festivas cujo nome é Carnaval. Atuam como uma espécie de vacina coletiva para mais um enfretamento do resto do ano, abrigando um reservatório no atacado da dança e da cantoria com vestimentas fantasiosas, invólucro de pretensões em que vale tudo que se gostaria de ser e como expressão de brincadeira, de deboche, de ironia, de crítica social.
A Tecnologia opera como uma aliada das criações inteligentes, desenhando possibilidades maravilhosas e, por vezes, reveladoras do poder ilimitado na busca da superação do sofrimento e da insatisfação humana ou simplesmente de canais de simulações da felicidade. Do que pude conhecer até o momento, a Second Life, uma das criações mais recentes, é a mais original viagem nesse início do século XXI, como fantástica e até assustadora capacidade da invencionice humana. Este jogo da internet monta uma realidade virtual formada por ilhas que reproduzem cidades e assemelhados, onde pessoas reais tornam-se personagens e desfrutam de uma Segunda Vida. O Avatar, personagem vivente desse mundo virtual, é o nosso avesso, algo como alguém travestido de si mesmo.
O Avatar, meus caros, é produto de nossas mentes e coracões magoados com a vida real, de nosso cansaço com tentativas de ser feliz, do nosso mergulho inútil nos sonhos impossíveis abatidos pela crueza da realidade. Enfim, de nosso saco cheio com nossa vidinha de merda.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O PICHADOR DA MADRUGADA

- O que houve? Por que está correndo assim?
- Deixe eu entrar, pelo amor de Deus. A polícia está vindo atrás de mim. Eles me viram pichando um prédio.
- Está bem, entre rápido.
- Então, é pichador?
- Sou.
- Por que faz isto?
- Pra agüentar essa vida chata que rola por aí.
- Por que logo pichação de prédios na madrugada? Não acha perigoso?
- Por isso mesmo, é divertido porque tem perigo no pedaço.
- E se a polícia te pegar, não tem medo de ser morto?
- Não sei, não penso nisso, atrapalha meu barato.
- Me fala desse barato de pichar. Como é isso?
- É massa. Ficar lá no alto das janelas dos bacanas e tacar o piche é dez. Fazer aqueles desenhos dá um frio maneiro no gargalo.
- Desenhos? O que vejo são garranchos sem nenhuma arte.
- Pra mim é bonito. É a minha arte, o que sei fazer.
- Mas, isso não tem um quê de ser uma vingancinha contra alguém ou alguma coisa? Por que não fazer essa arte no lugar adequado?
- Não sei não. Pode ser isso também. Quero fazer o que tenho vontade, sem ninguém me enchendo o saco, meu pai, minha mãe. Agora, se fosse fazer noutro lugar, não ia ter graça.
- Acho que te entendo.
- Pode parar aqui?
- Adeus. Boa sorte!
Eduardo seguiu em frente, com uma estranha emoção por conta do pichador.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

EU E MEUS DENTISTAS

Meu receio é que ninguém leia esta crônica. Convenhamos que este título é algo assim como espanta leitor, pois a quem interessa saber de minhas experiências com meus dentistas, não é verdade? Mas, eu quis correr o risco e explico o porquê. Desde 1989, eu pensei em escrever este texto e não me perguntem as razões, pois não tenho a menor idéia, simplesmente num papo entre amigos, surgiu o desejo e pronto. Não fiz o texto naquela ocasião e aquela idéia ficou guardada dentro de mim nesses anos todos, como uma espécie de gravidez crônica e, hoje, simplesmente saiu.
Outra dúvida que me atingiu é porque não quis falar dos meus médicos, dos meus terapeutas e outros tais, e, sim, dos meus dentistas. Sei lá, mas, penso que com esses profissionais bucais, sempre tive vivências curiosas, extra dentárias. Relações essas, perpassadas pela cumplicidade, pela identidade política e por um afeto especial. No entanto, concordo com vocês, os que estão achando um tanto quanto esquisito esse papo. Afinal, você vai a um lugar, senta-se numa cadeira, fica com a boca escancarada, com o barulhinho insuportável daquele motorzinho mal-encarado, naquele levanta e deita do cospe-cospe, enfim, algo despido de qualquer possibilidade simpática de estabelecer uma relação de amizade ou de um papo, simplesmente. Até porque quem fala o tempo todo é o dentista, você emite certos grunhidos, parecidos com a voz humana. Mais uma vez, me vem à lembrança nosso Caetano Veloso com sua sábia afirmação que de perto ninguém é normal ao que eu acrescentaria com toda convicção: nem de longe. Só que alguns mais que todos.
O meu primeiro dentista, o Sr X, data de longo tempo, dos idos dourados da minha adolescência em Ribeirão Preto, em São Paulo. Ele era dentista também da minha mãe. Logo percebi nas minhas visitas periódicas, que o tal nutria um certo sentimento por mim que não tinha nada a ver com os meus dentes. Pude ter certeza dessa impressão quando certo dia, depois de uma sessão, ao me dirigir ao ponto de ônibus, fui chamada pelo próprio que trazia às mãos uma melancia e meio esbaforido me comunicou que era pra mim. Meio incrédula com tal visão, só me restou receber o inusitado presente e entrar no ônibus, entre trancos e barrancos, com aquele trambolho nas minhas mãos. Ao subir o último degrau, tentei rapidamente encontrar a primeira cadeira vazia, aonde coloquei aquela senhora fruta de presente para quem ficasse atraída pela mesma. Que situação!
O segundo dentista da minha vida, o Sr Y, foi nos tempos iniciais da ditadura militar, no final dos anos 1960. Era um jovem talentoso e revolucionário, trocávamos idéias a respeito nas minhas visitas ao seu consultório, visto que era uma estudante universitária metida a enfrentar as patas dos cavalos da ditadura militar. Estava eu, certa vez, sentada como sempre, meio a contragosto, naquela cadeira nada confortável, com a boca abertíssima e observava o meu cuidador, que andava agitado de um lado pra outro, num visível nervosíssimo, naquela tarde de setembro. Repentinamente, ele virou-se pra mim e me comunicou, sem mais delongas: ” Vou desaparecer do mapa, sumir, agora mesmo, os meganhas querem me pegar.” E, simplesmente, foi-se, escafedeu-se, deixando-me com a boca escancarada, cheia de dentes. Literalmente. De susto e perplexidade. E, assim, foi-se mais um dentista da minha vida.
O terceiro representante dessa categoria, o Sr Z, surgiu no meu caminho nos idos de 1970, quando eu residia em Londrina, no Paraná. Era um intelectual de esquerda, aguerrido inimigo da ditadura, que realizava sua oposição através de seus clientes, de uma maneira original e curiosa. De pronto, me identifiquei com o mesmo já que minha condição de militante contra a ditadura foi um elo forte a nos aproximar, de maneira muito forte. Com os meus sonhos jovens de mudar o mundo, eu o tinha como uma espécie de conselheiro e confidente. Ele era todo diferente do que se pode esperar de um tratador dentário. Seu consultório tinha duas salas, a que ele atendia aos dentes e uma outra, meio escondida e com cara de conspiração, naqueles tempos perigosos e temidos da ditadura, onde acolhia seus convidados pros papos políticos. E tem mais: marcava horário duplo para essas personagens cúmplices dos seus intentos subversivos. Uma hora para os dentes, de menor importância, e a outra, a hora da política, onde a boca desses seus escolhidos clientes tinha um outro papel, o de trocar confidências e estabelecer estratégias de enfrentamento desse inimigo comum.
Sinto um aperto no peito, neste momento, porque soube anos depois, que esse meu amigo foi-se para o além terra, deixando-me uma doce e estranha lembrança no meu coração.
De fato, não posso me queixar, ir ao dentista naqueles tempos e, ao longo dos outros, até hoje, foi e tem sido uma agradável experiência, diferenciando-me da quase totalidade das pessoas que vêem nessa visita algo doloroso, revestido de medo e apreensão.
Fico pensando, cá com meus botões, que mensagens posso extrair dessa minha ligação com esses meus sujeitos dentários. Vocês têm alguma explicação?

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

PESSOAS PREDESTINADAS À SANTIDADE – UM PROBLEMÃO

Pense bem antes de se juntar a uma pessoa cheia de qualidades porque ela poderá ser uma predestinada à santidade e, neste caso, você embarcou numa canoa furada. Isto porque virtudes excessivas podem tornar-se um grande percalço em nossas vidas.
Sei que vocês, leitores, estão surpresos ou, pelo menos, curiosos, com essa afirmação. Vou tentar explicar ou me explicar. A grande maioria dos seres humanos é repleta de defeitos e algumas qualidades, dentro daquilo que se costuma chamar de normalidade, com aspas ou sem aspas. Daí o mais provável é que você esteja nesse grupão; portanto, se você cruzar o caminho de algum ser com o perfil para santidade e optar por viver a seu lado, esteja preparado porque sua vida não será nada fácil. Em todos os sentidos.
Acompanhe o meu raciocínio. A primeira e mais forte razão, é que os santos que conhecemos, todos passaram a vida inteira sofrendo muito, alguns até verdadeiras torturas para fazerem jus ao certificado dessa santa condição. Portanto, as pessoas que privaram de sua companhia na intimidade, participaram desse rito de purificação .O que vem a se traduzir mais ou menos no seguinte quadro: se você viver com esse ente especial, estará num mar permanente de sofrimento e dificuldades nesse lento processo de degraus rumo à santidade. Sua vida (a dos prometidos) será uma série de contínuas provas a serem vencidas, num verdadeiro campeonato, cujo ápice só se dará com a passagem dessa vida terrena, a dos pecadores como nós, para a prometida compensação, no além mundo.
Já podem deduzir que na vida dessas criaturas especiais, tudo será muito penoso, complicado, de difícil acesso.Eles podem ser talentosos, inteligentes, sensíveis, habilidosos, delicados, generosos, afetuosos, amigos, enfim, tudo de bom, mas na hora H de conseguirem aquilo a que fazem jus, por direito e justiça, nada acontece, é aquela dificuldade. Nós, os pecadores terrenos, o restante do planeta, ficamos muito revoltados com tamanha injustiça. Como pode uma pessoa tão virtuosa não ter o que precisa, não ter sido escolhida para o que necessita, não conseguir o que fez por merecer, não ter isto e aquilo?
De outro prisma, pode-se inferir uma outra razão que dê sentido ao fato de um de nós, os normais, estar na companhia de um desses seres em tratamento espiritual, caracterizando o desempenho de uma função especial. Lembro que os futuros santos precisam se submeter permanentemente às tentações de renúncia ao seu futuro status. Aqui é que teremos um papel específico, quer dizer, seremos aquelas criaturinhas que vão azucrinar a vida dessa pessoa especial, pondo à prova sua persistência, através de doses homeopáticas ou de torpedos de perturbação cotidiana. Afinal, somos seres divididos porque, de um lado, resta-nos a honraria de compor um dos degraus de preparação desse futuro santo e, de outro, tentamos desviá-lo de seu caminho, pra livrar a nossa cota de sofrimento nessa empreitada. Aqueles que acreditam em reencarnação, poderão ter o consolo de que nessa sua função de acompanhante, estarão fazendo um treinamento para essa trajetória de santidade, numa futura volta a essa sofrida terrinha.
Poderá haver, se preferirem, uma terceira explicação. Penso que entre os pecadores, existe uma turminha de ex-santos em antevidas que advogam o fim da santidade e atuam junto aos atuais candidatos a essa modalidade, impedindo ou dificultando, por todos os meios, o final de sua rota de chegada porque como viventes das duas formas, pecadores e santos, acharam a vida de santo um tanto quanto sem graça. Inclusive, porque também identificaram naquele território uma relação muito próxima com esse mundo terreno: os pecadores passam a vida pedindo favores aos santos, numa atitude abusiva, assemelhando-se a uma versão celeste da lógica da exploração homem X homem, nas sua múltiplas expressões.
Aqueles que estão pensando que fiz piada com esse tema, estão redondamente enganados. Porque eu asseguro a vocês, é viver pra crer. Eu atesto e tenho dito.