sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

MALABARISTAS SEM FUTURO



Dias atrás num sinal de trânsito de uma rua qualquer do Rio de janeiro, uma cena me comoveu até às lágrimas: três crianças de idades diferentes faziam um malabarismo com uma velha bola de borracha. O primeiro no chão, outro em cima dos seus ombros e o terceiro também em cima do segundo. Era patético aquele arranjo porque as pernas, finas e tortas, dos que estavam no segundo e terceiro andares tremiam tanto, ameaçando a qualquer momento se esborracharem no chão. Nunca vou me esquecer do que vi quando aqueles múltiplos olhos cruzaram com os meus. Eram a tradução da mais pura tristeza e da vergonha que sentiam, expostos aos nossos indiferentes olhos cotidianos, acostumados com essa nova onda da miséria urbana.
Os movimentos dos malabaristas eram a expressão das suas vidas: feios, desengonçados, desarticulados. Da maneira que a vida os produziu. Cruel moldura da nossa omissão e do abandono dessas crianças sem amanhã.
Por muitos dias, aquela lembrança me incomodou, pela tristeza que emanava dela, pela mensagem da indiferença que as vitimou, pela naturalidade dos olhos públicos e privados como vêem os dramas humanos, no dia a dia.
Com a alma sombria, carregada desses sentimentos, me lembrei de Brecht ao nos alertar para esses dramas da condição humana: “Que nunca se diga isso é natural !”

AS LUVAS VERMELHAS


Nas minhas férias em agosto passado, fui para Belo Horizonte e, como de hábito, hospedei-me na casa de minha amiga Sonia. Desta vez, fomos passar um final de semana no interior mineiro, na casa de parentes dela, perto de Campos de Jordão, uma das cidades importantes dessa região. Resolvemos num sábado fazer compras nessa cidade, famosa pelas suas boas malharias. Chegando numa delas, Sonia resolveu comprar uns presentinhos:
- Preciso comprar também umas luvas pra meu tio, pois ele tem reclamado do frio das atuais noites chuvosas de Belo Horizonte.
Acontece que nessa loja só havia um único par de luvas vermelhas, em razão de ser um período de liquidação do estoque dos produtos de inverno.
- Vou levar essas luvas mesmo.
- Mas, vai levar pra seu tio luvas vermelhas? Não fica meio esquisito um velho de oitenta anos sair por aí com luvas vermelhas?
- Ele vai adorar, conheço o gosto dele, também é só pra dormir.
- Mas, se ele morrer dormindo? Vão encontrá-lo de luvas vermelhas e aí todo mundo vai saber que ele era gay.
- Minha nossa! Vou chegar lá antes de todo mundo pra tirar as luvas.
E saímos da malharia dando gargalhadas, imaginando a cena.
De volta a Belo Horizonte, Sonia toda contente chegou à casa do seu tio:
- Meu tio, trouxe pra você um presente que é sua cara.
Ao olhar aquelas luvas vermelho vivo, o velho tio abriu um largo sorriso:
- Olha, minha querida, adorei. Só você pra me dar um presente destes. Por essa razão, dou agora pra você esta incumbência: quando eu morrer quero que me vista todo de vermelho, da cabeça aos pés. E com estas luvas!


sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

MORTE.... ESSA MISTERIOSA SENHORA DO TEMPO

Quando a gente sofre um golpe qualquer, há um período de hibernação necessária para nossa reabilitação frente à vida. Foi o que aconteceu comigo, precisei desse tempo. Deu um branco na minha mente e no meu coração. De repente, secou a fonte e não tinha nada pra dizer pra ninguém. Só pra mim mesma. Mergulhei num estado de inverno, com muito frio interno, sem cobertor. Depois, passei ao estado nublado, onde ainda estou.
Hoje, senti vontade de retornar às minhas idéias. De voltar pra vocês. Com muitas perguntas, aos deuses, aos seres do além, ao infinito, a mim mesma, a todo mundo, a ninguém.
Do que se trata todo esse meu torpor? Desse mistério que volta e meia atormenta quem passa por ele. Por que a morte chega por caminhos tortuosos, sem explicação? Por que alguém morre, no auge da felicidade? Por que tem uma morte trágica, sem razão de ser?
Morte, esse eterno mistério, às vezes, bate na gente com uma crueldade insuportável. Mais até, pela nossa impossibilidade de compreendê-la. Cada um de nós já desejou, penso eu, em algum momento morrer, mas quando a gente encara de frente essa senhora, dá um frio na espinha dorsal, na alma, e só resta à gente se recolher, na nossa total insignificância.
Willians Pereira, maestro carioca, jovem de 39 anos, super talentoso, no auge de sua criação como violonista, arranjador e diretor musical, que tinha medo de avião, resolve, sabe-se lá por qual motivo, voar de ultraleve numa praia de Pernambuco e voou pra eternidade.
Por quê? Pra quê?
O CD Frevos-Mulher que ele dirigia da compositora e cantora Maria Olívia, parceira de sons e sonhos, ficou mudo, envolto em dor e luto. Era domingo, dia 2 de dezembro.
A contragosto, eu me deparo com o real sentido da dialética da vida, na sua vestimenta mais cruel, espelhando a unidade alegria e dor, dupla essa conformada na energia indissociável de vida e morte.
Tenho pensando muito, com um vazio enorme na minha alma. Num passo em falso, macabro, aquele ultraleve levou para sempre esse artesão de sons e beleza.

E, nós, pobres mortais, ficamos aqui, a ver navios...