Dias atrás num sinal de trânsito de uma rua qualquer do Rio de janeiro, uma cena me comoveu até às lágrimas: três crianças de idades diferentes faziam um malabarismo com uma velha bola de borracha. O primeiro no chão, outro em cima dos seus ombros e o terceiro também em cima do segundo. Era patético aquele arranjo porque as pernas, finas e tortas, dos que estavam no segundo e terceiro andares tremiam tanto, ameaçando a qualquer momento se esborracharem no chão. Nunca vou me esquecer do que vi quando aqueles múltiplos olhos cruzaram com os meus. Eram a tradução da mais pura tristeza e da vergonha que sentiam, expostos aos nossos indiferentes olhos cotidianos, acostumados com essa nova onda da miséria urbana.
Os movimentos dos malabaristas eram a expressão das suas vidas: feios, desengonçados, desarticulados. Da maneira que a vida os produziu. Cruel moldura da nossa omissão e do abandono dessas crianças sem amanhã.
Por muitos dias, aquela lembrança me incomodou, pela tristeza que emanava dela, pela mensagem da indiferença que as vitimou, pela naturalidade dos olhos públicos e privados como vêem os dramas humanos, no dia a dia.
Com a alma sombria, carregada desses sentimentos, me lembrei de Brecht ao nos alertar para esses dramas da condição humana: “Que nunca se diga isso é natural !”