sexta-feira, 2 de novembro de 2007

SEPARAÇÕES...QUANTA DOR!

Separações...existirá algo mais doloroso, mais sofrido? Qualquer tipo de separação dói, machuca, desalinha nossos chacras. Não é por acaso que somente uma privilegiada minoria sabe lidar com essa ocorrência.
Separações são complicadas pela própria natureza. Raramente, são as duas pessoas que querem separar e tal descompasso já é, a priori, prenúncio do que nos espera. É um sofrimento geral: de quem é deixado, de quem quer deixar, de quem não quer ser deixado, de quem está em volta. Não há reza que resolva, não há porre que suporte, não há dor que doa mais. O jeito é um só: enfrentar e se cercar de alguns cuidados para não se arrebentar demais.
Nesse drama generalizado, existe ainda um ingrediente perverso que só agudiza as dores presentes. Trata-se da culpa ocidental apostólica romana que habita, em especial, o peito daquele portador do desejo da separação. Ai! É dor profunda com cobertura de culpa. Existirá coisa pior do que sentir culpa por fazer alguém sofrer? Enfim, é pura maldade da vida amorosa para quem deseja se separar, já sai de campo com esse enorme peso de ter puxado o gatilho da dor. Vale lembrar que essa culpa começou com aquela maldita mordida da maçã pela Eva que foi possuída por esse sentimento que, portanto, tem em si o atributo da eternidade. Aliás, alguém sabe me informar o porquê da maça ter sido escolhida como vilã, logo ela que se apresenta como uma fruta tão inofensiva?
O antropólogo italiano Franco La Cecla escreveu sobre a arte da Ruptura Amorosa e divido com vocês parte de suas idéias. Para ele, no amor há a arte da ruptura assim como a da conquista, havendo também uma correspondência entre o grau de sofrimento da perda de um amor com o grau do significado desse amor. Ou seja, quanto maior o sofrimento na separação, maior terá sido aquele amor. Faz sentido, sim. Cecla classifica as separações em quatro tipos: Eu te deixo; Você faz de tudo para que eu te deixe; Você me deixa e Nós nos deixamos. Acho essa classificação verdadeira e, cá entre nós, em nossas experiências, não houve a presença de parte delas (ou de todas)?
Pensando bem: as separações são a tradução exata do tipo de amor vivido, da qualidade da relação construída. Por exemplo: relações grudentas e simbiônticas costumam ter separações dramáticas, notadamente quando apenas um só quer separar. Quem já se separou sabe do que estou falando. É um drama realmente italiano, a gente esquece o sofrimento, mas jamais o haver sofrido.
São tantos problemas, tantos sentimentos contraditórios. Impotência. Dúvidas. Remorso pelo que se fez e pelo que não se fez. Raiva do outro e de si. Enfim, é um horror generalizado. Por isso tudo, a gente tem que tentar tudo pra não se arrepender depois. Daí o melhor é buscar ajuda competente e vou direto ao ponto: fazer uma terapia de casal. Isso mesmo: fazer uma lavagem de roupa com água e sabão terapêuticos, de fino trato. Porque depois disso, ou vai ou racha.
De outro prisma, quem de nós numa relação periclitante, já não pensou que por ser tudo tão complicado numa separação, o melhor seria a solução de nossos pais e de todos seus ancestrais ocidentais: o menos pior é ficar junto até onde a vida nos levar. Até porque as relações amorosas, em geral, parecem ter, mais ou menos, o mesmo ritual: paixão, amor, crise e mais crise e finalização. Se é assim mesmo, que tal deixar como está, pra ver como é que fica? Calma, minha gente! Essa não é uma posição tão somente de acomodação. É uma leitura do real. Estarei exagerando? Em todo caso, apresento um ingrediente que amacia essa posição: refiro-me às relações fundas porque nas rasas, nem há lugar para tais conflitos, uma vez que nos tempos atuais, a intolerância na vida em comum dá logo o ultimato e a separação é prato do dia, sem grandes traumas.
De todo modo, não creio que possamos nos preparar para as separações da vida. Não há como evitar a dor, o que varia é o grau dessa dor. Penso que devemos, sim, tratá-la com delicadeza, com cuidado, com consideração. Em homenagem ao amor que uniu seres que estão se retirando da vida um do outro. Só existe separação porque antes existiu amor ou algo parecido, ou em muitos casos, durante a separação, ainda há muito ou parte desse amor.
Deixo com vocês um belíssimo poema que expressa bem o sentido dessa delicadeza com as separações:


Separação
Affonso Romano de Sant´Anna

Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.

O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.

Empilhar livros, quadros,
discos e remorsos.
Esperar o infernal
juízo final do desamor.
Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
-pareciam se amar tanto!
Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.
Amou-se um certo modo de despir-se,
de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo
modo de botar a mesa. Amou-se
um certo modo de amar.
No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos,
malas desesperadas, soluços embargados.
Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?
No quarto dos filhos
outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.
O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.
Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?

Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo.

5 comentários:

Anônimo disse...

Rose,
Quero parabenizá-la pela qualidade dos textos que vem escrevendo. Temas ligados a sentimentos, amor , paixão, fidelidade etc, embora nem todos gostem de comentar - alguns preferem ignorar essa dimensÃo humana - quase todos esses assuntos já¡ foram ou são vivenciados de alguma maneira por todos nós. Daí a necessidade de nos expressarmos sobre eles."Separações ... quanta dor!", título do seu texto, já prenuncia o tom dessa conversa. Dor, na maioria das vezes, parece ser a sensação mais comum para quem passa por uma separação. Mesmos nos casos em que o término de um relacionamento represente um "alí­vio" pelo fim de um relacionamento que não mais nos satisfaz. Ainda assim, a sensação de dor pode se instalar, indicando, talvez, uma certa frustração pelo insucesso da relação, pela dúvida que nos atormenta, quando não se tem a certeza de ter feito tudo o que se poderia fazer, ou pelo sofrimento causado àquele que foi deixado e não queria ser, mesmo quando nos valemos de todos os recursos para que tudo desse certo.
Você disse que, em geral, as relações amorosas costumam ter, mais ou menos, o mesmo ritual: paixão, amor, crise e mais crise e finalização. Mas o que dizer e fazer quando esse ritual é quebrado? Quando tem iní­cio a paixão, transformando-se em amor, mas sem que as crises e mais crises tenham feito parte marcante e significativa do relacionamento amoroso, antecedendo o término da relação; o que pensar disso? Quando a separação acontece de uma forma intempestiva, após longos anos de convivência (quase 13 anos), quando a confiança e a cumplicidade entre o casal foram sendo construí­das no decorrer do convívio, denotando uma relação profunda e bem alicerçada, o que pode significar um desfecho brusco, árduo e inesperado? Sem um motivo forte que justifique uma ruptura que nem ao menos permita ao outro se defender? Isto é, quando um só se recusa a dar oportunidade ao casal de repensar a relação, os erros, as faltas, as omissões e incoerências que possam ter ocorrido por culpa de ambas as partes, mesmo quando quem vai embora queira tributar todos os erros - que no final ganham uma importância astronômica - ao outro que foi deixado, o que leva uma pessoa que pensávamos conhecer tão bem a agir assim, de um modo tão contraditório com sua trajetória de vida? O que parece mais evidente é a constatação de que por mais que se pense conhecer bem alguém nunca é possível conhecer totalmente ninguém. As pessoas podem apresentar reações inesperadas e incoerentes com seu modo de vida e com aquilo que expressam para o outro.
A sensação que fica é a de uma grande injustiça. Bem, analisando friamente, não podemos deixar de ressaltar uma característica de quase todas as relações amorosas da atualidade, digo "relações amorosas da atualidade" porque antigamente muitas mulheres eram obrigadas pelos seus pais a se casarem: porém hoje em dia, quando as pessoas se unem, é sempre uma união de comum acordo, ou seja, ambos desejam ficar juntos e efetivam suas vontades (não vou entrar no mérito das motivações), unindo-se, seja num namoro ou num casamento (considerar qualquer união em que se compartilhe uma vida a dois), mas muitas vezes, na hora da separação, só prevalece a vontade de um, só um tem o direito de decidir sobre seu destino e, em certa medida, sobre o do outro também, na medida em que ele lhe retira a possibilidade de escolha. O que em outras palavras, nada mais é do que a imposição da vontade de um sobre o outro, para quem não resta outra condição, a não ser aceitar a determinação de seu parceiro.
Não quero com essas considerações dizer que sou contra as separações, ou seja, que as pessoas devam viver juntas mesmos quando não estão felizes naquela relação. Não, não penso assim. Entretanto, considero essencial que se reflita sobre esses aspectos que mencionei e que sempre se procure avaliar bem todas as possibilidades de continuar juntos antes de um final definitivo. Além do que, é fundamental, conforme vocé destacou, que se tome alguns "cuidados para não se arrebentar demais." Seja por arrependimento de não tentar todas as possibilidades que poderiam existir, ou por não conseguir superar a dor de uma separação e não se permitir ser feliz novamente com uma outra pessoa.
Felizmente, eu consegui superar tal sofrimento, com dignidade e coragem, segui em frente. E refiz minha vida, a partir de mim mesma, pois é isto que conta realmente: o amor que desenvolvemos por nós mesmos. Se este for grande, verdadeiro e tiver uma base sólida, será¡ eterno e infinito. E não será¡ destruí­do por ninguém, ainda que sofra pelas decepções que a vida possa nos apresentar. Pois foi contando com o imenso amor que sinto por mim mesma que em menos de quatro meses me apaixonei de novo e consegui transformar essa paixão em amor. Me casei novamente e estou muito mais feliz do que fui antes. E aí eu penso: que oportunidade incrível me ofereceu essa separação, mesmo sendo a minha revelia. Porquanto acredito que por mais que uma separação signifique sofrimento, dor e decepção, não podemos prescindir do direito de acreditar que é sempre possí­vel recomeçar. E que estar apaixonada e amando é maravilhoso. Mesmo sabendo que nunca será possí­vel prever até quando irá durar. Por isso mesmo, é imprescindível viver intensamete estes sentientos, se entregar de corpo e alma. Viver a fundo todos os prazeres que a paixão e o amor oferecem para quem se permite experimentar tais sentimentos, sem medo de ser feliz ou infeliz.

Beijos,
Márcia.

Anônimo disse...

Rose,

Suas crônicas sempre nos levam a pensar e a refletir sobre os sentimentos e ou ausência deles.
Como você disse numa delas: “São as paixões metamorfoseadas de lobos e cordeiros que nos dirigem o tempo todo, de dentro pra fora, de fora pra dentro.”
Sempre colocando-nos de frente com toda e qualquer possibilidade: ‘ficar-ficando’, amor/ paixão, vaidade, sedução, fidelidade/ infidelidade, separação...
Realmente, nós temos a ‘doce ilusão’ que comandamos, mas somos sempre comandados.
Lendo esta sua crônica, me lembrei de uma frase de Vinícius “O amor é a coisa mais triste quando se desfaz...”, mas também me lembrei de outra frase “Quem nunca viveu uma paixão, nunca vai ter nada não...”
Gostaria de indicar uma leitura, tanto a você quanto aos seus leitores. É o livro: EROS E PATHOS – Amor e sofrimento – Autor: Aldo Carotenuto – Editora Paulus. Acredito que esta leitura possa acrescentar em muito o entendimento de nós mesmos e do outro.

Um super abraço!

Margarete Barbosa

Anônimo disse...

Gostei do tema... Ousado... Mas muito bem pontuado, humana e amorosamente falando... Reconheci-me em algumas passagens... Parabéns! Não conhecia o poema do Afonso Romano de Santanna, mas indicaria um do Paulo Mendes Campos, "O amor acaba"... Dor maior que a da separação só a da perda de um filho, mas aí já é outro papo! Abraço grande e boa sorte nas trilhas do seu lado B.
;-) Mione*

Anônimo disse...

Olá Rose,
Muio sincero o que vc escreve sobre as dores do mundo.Perda,medo de perder ,'solidao ....são questo~es muito antigas e que não temos receita para enfrentá-los.Acho que o caminho mais acolhedor para as pessoas que estão sofrendo é
a busca de ajuda.Quem está de fora da trama/drama pode ajudar,sabia?portanto ,indico a terapia como ajuda para se viver com sabedoria as vezes o que inevitável.Boa sorte .
um abraço,
Marrgarida

Anônimo disse...

QUERIDA ROSE,
JÁ LI ALGUNS DOS SUAS CRÔNICAS E TENHO ACHADO TODAS MUITO BOAS !! MAS NÃO SEI PQ , MAS " RELAÇÕES DURADOURAS E SEPARAÇÕES , QTA DOR ! " ME TOCARAM PROFUNDAMENTE ! ... ACHO Q ATÉ SEI : FALOU FUNDO DA MINHA SEPARAÇÃO DO MEU 1 MARIDO , DA SAUDADE DA FAMÍLIA , AI ... DE TANTAS COISAS BOAS QUE EU NÃO SOUBE TER MATURIDADE E ME DEIXEI LEVAR POR UMA PAIXÃO ( QUE TB FOI MARAVILHOSA , MAS DOLORIDA ) QUE PÔS TUDO ISSO A PERDER ! MAS INFELIZMENTE , A VIDA É FEITA DE ESCOLHAS , BOAS E MÁS , PERDI ! GANHEI /PERDENDO E HJ , ESTOU AQUI GANHANDO NOVAMENTE E, NO CASO ATUAL , JÁ ME ENCAIXO NAS " RELACÇOES DURADOURAS " ! AMEI ! VC ESCREVE MAGNIFICAMENTE BEM E ME PARECE CONHECEDORA DA ALMA HUMANA !
NA SEGUNDA "SEPARAÇÕES ... " APESAR DO TEMPO , AINDA DÓI ! SERÁ QUE DEVERIA !!??
MIL BJS ,
ROBERTA