sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

EU E MEUS DENTISTAS

Meu receio é que ninguém leia esta crônica. Convenhamos que este título é algo assim como espanta leitor, pois a quem interessa saber de minhas experiências com meus dentistas, não é verdade? Mas, eu quis correr o risco e explico o porquê. Desde 1989, eu pensei em escrever este texto e não me perguntem as razões, pois não tenho a menor idéia, simplesmente num papo entre amigos, surgiu o desejo e pronto. Não fiz o texto naquela ocasião e aquela idéia ficou guardada dentro de mim nesses anos todos, como uma espécie de gravidez crônica e, hoje, simplesmente saiu.
Outra dúvida que me atingiu é porque não quis falar dos meus médicos, dos meus terapeutas e outros tais, e, sim, dos meus dentistas. Sei lá, mas, penso que com esses profissionais bucais, sempre tive vivências curiosas, extra dentárias. Relações essas, perpassadas pela cumplicidade, pela identidade política e por um afeto especial. No entanto, concordo com vocês, os que estão achando um tanto quanto esquisito esse papo. Afinal, você vai a um lugar, senta-se numa cadeira, fica com a boca escancarada, com o barulhinho insuportável daquele motorzinho mal-encarado, naquele levanta e deita do cospe-cospe, enfim, algo despido de qualquer possibilidade simpática de estabelecer uma relação de amizade ou de um papo, simplesmente. Até porque quem fala o tempo todo é o dentista, você emite certos grunhidos, parecidos com a voz humana. Mais uma vez, me vem à lembrança nosso Caetano Veloso com sua sábia afirmação que de perto ninguém é normal ao que eu acrescentaria com toda convicção: nem de longe. Só que alguns mais que todos.
O meu primeiro dentista, o Sr X, data de longo tempo, dos idos dourados da minha adolescência em Ribeirão Preto, em São Paulo. Ele era dentista também da minha mãe. Logo percebi nas minhas visitas periódicas, que o tal nutria um certo sentimento por mim que não tinha nada a ver com os meus dentes. Pude ter certeza dessa impressão quando certo dia, depois de uma sessão, ao me dirigir ao ponto de ônibus, fui chamada pelo próprio que trazia às mãos uma melancia e meio esbaforido me comunicou que era pra mim. Meio incrédula com tal visão, só me restou receber o inusitado presente e entrar no ônibus, entre trancos e barrancos, com aquele trambolho nas minhas mãos. Ao subir o último degrau, tentei rapidamente encontrar a primeira cadeira vazia, aonde coloquei aquela senhora fruta de presente para quem ficasse atraída pela mesma. Que situação!
O segundo dentista da minha vida, o Sr Y, foi nos tempos iniciais da ditadura militar, no final dos anos 1960. Era um jovem talentoso e revolucionário, trocávamos idéias a respeito nas minhas visitas ao seu consultório, visto que era uma estudante universitária metida a enfrentar as patas dos cavalos da ditadura militar. Estava eu, certa vez, sentada como sempre, meio a contragosto, naquela cadeira nada confortável, com a boca abertíssima e observava o meu cuidador, que andava agitado de um lado pra outro, num visível nervosíssimo, naquela tarde de setembro. Repentinamente, ele virou-se pra mim e me comunicou, sem mais delongas: ” Vou desaparecer do mapa, sumir, agora mesmo, os meganhas querem me pegar.” E, simplesmente, foi-se, escafedeu-se, deixando-me com a boca escancarada, cheia de dentes. Literalmente. De susto e perplexidade. E, assim, foi-se mais um dentista da minha vida.
O terceiro representante dessa categoria, o Sr Z, surgiu no meu caminho nos idos de 1970, quando eu residia em Londrina, no Paraná. Era um intelectual de esquerda, aguerrido inimigo da ditadura, que realizava sua oposição através de seus clientes, de uma maneira original e curiosa. De pronto, me identifiquei com o mesmo já que minha condição de militante contra a ditadura foi um elo forte a nos aproximar, de maneira muito forte. Com os meus sonhos jovens de mudar o mundo, eu o tinha como uma espécie de conselheiro e confidente. Ele era todo diferente do que se pode esperar de um tratador dentário. Seu consultório tinha duas salas, a que ele atendia aos dentes e uma outra, meio escondida e com cara de conspiração, naqueles tempos perigosos e temidos da ditadura, onde acolhia seus convidados pros papos políticos. E tem mais: marcava horário duplo para essas personagens cúmplices dos seus intentos subversivos. Uma hora para os dentes, de menor importância, e a outra, a hora da política, onde a boca desses seus escolhidos clientes tinha um outro papel, o de trocar confidências e estabelecer estratégias de enfrentamento desse inimigo comum.
Sinto um aperto no peito, neste momento, porque soube anos depois, que esse meu amigo foi-se para o além terra, deixando-me uma doce e estranha lembrança no meu coração.
De fato, não posso me queixar, ir ao dentista naqueles tempos e, ao longo dos outros, até hoje, foi e tem sido uma agradável experiência, diferenciando-me da quase totalidade das pessoas que vêem nessa visita algo doloroso, revestido de medo e apreensão.
Fico pensando, cá com meus botões, que mensagens posso extrair dessa minha ligação com esses meus sujeitos dentários. Vocês têm alguma explicação?

3 comentários:

Anônimo disse...

Oi Rose, tudo bem?
O título não me espantou nadinha, fiquei curiosa e gostei muito. Que boas lembranças!
Beijo Lúcia Menezes

Anônimo disse...

Muito bom , bem merecido escrever sobre teus dentistas . Me chama atençao ( meu computer se nega a acentuar ) O Q FAZ UMA PESSOA Q PAQUERA OUTRA LHE DAR DE PRESENTE UMA MELANCIA ????!!!!
Qto aos outros , belas pessoas , corajosas e loucas , atraimos tb o q esta em unissono .
beijinho
Monica

Anônimo disse...

Adorei tb esta crônica, só com você acontece determinadas coisas. E já respondendo à pergunta do outro comentário. Dar de presente uma melancia tem um quê de rosa vermelha, melancia por dentro, estando madura, é vermelha cor da paixão, do coração e sem falar que é saborosa, tudo a ver.
Bjs,
Maria

31 de janeiro de 2008 1:23:04