sábado, 15 de março de 2008

O QUE FOI FEITO DE NÓS? O QUE SOBROU DE NOSSOS SENTIMENTOS?

Hoje estou em paragens sombrias, manifestando-se em mim um outro lado meu, talvez o Lado D, de desilusão total. O meu sentimento é de muita tristeza e de desgosto comigo, com meus semelhantes, em relação à degradação contínua de nossas relações, dessas relações tidas como humanas. Ainda, pra combinar com o meu estado, chove muito e faz frio, depois de muito tempo, nesta cidade que teima em ser maravilhosa.
Será que estou exagerando? Ao final deste texto, por favor, me digam.
Vocês também identificam no dia a dia, sobretudo, no ambiente do trabalho, relações cada vez mais frias, distantes, individualistas, sem solidariedade? Já lhes aconteceu de saberem, de chofre, que uma colega de trabalho, faleceu há mais de um mês e vocês nem sabiam que ela estava prestes a nos deixar? Ou, que um outro colega, dos mais antigos, perdeu sua companheira de muitos anos, sem que vocês também soubessem que tal pessoa estivesse doente a esse ponto? Quase ninguém soube à época das mortes. Que coisa horrível! Que vergonha deveríamos sentir de coisas desse tipo acontecerem perto de nós e de, a um passo, poderem também ocorrer conosco.
Hão de convir que fatos como esses são muito graves e estão pipocando por aí, talvez em todos os lugares, de alguma forma, como sintomas graves de nosso fracasso como seres ditos humanos, como resultante de mil razões que nós os ditos intelectuais, defensores dos desvalidos e oprimidos, nos arrolamos o papel de especialistas em diagnosticá-las.
Uma questão séria são as chances de se viabilizar um projeto ético-político X ou Y se os seus atores enfrentam sérios empecilhos na convivência no trabalho, cuja existência dos mesmos não é de sua inteira responsabilidade, é verdade, mas o seu enfrentamento é, sim, da sua alçada, no mínimo, amenizando essas dificuldades para se proteger contra esse tipo de mundo atual. Como disseminar a mensagem da transformação social, se nesta devem fazer parte, necessariamente, os ingredientes da solidariedade, da compaixão, do interesse pela vida do outro, se ele está bem ou não, se no caso, não está, literalmente, às voltas com a morte, o contraponto, afinal, daquilo que consideramos o bem maior, a Vida? Como, meus amigos, transformar o mundo, esse tal mundo destruidor da vida de milhões, se dentro de nós, à nossa volta, não cultivarmos sentimentos germinadores desse amor maior pelas multidões? Como será possível?
Pra amenizar um pouco o tom da minha dor interna, deixem eu lhes contar um fato que, de outro prisma, ilustra bem a degradação das condições materiais de existência, e que também vivi no trabalho, ou melhor, num banheiro do meu local de trabalho. Como o sabonete é um produto absolutamente indisponível em instituições do tipo e, como gosto de lavar as mãos com tal produto, resolvi há uns tempos atrás, levar um sabonete de tamanho normal pra durar mais, já que levava sempre aqueles pequenos que guardava dos hotéis, com tal finalidade. Eis que ao retornar ao mesmo banheiro, umas duas horas depois, cadê o sabonete? Cheguei a duvidar da minha memória, uma estratégia nada fora de cogitação porque ando mesmo meio desmemoriada, que até pode ser um jeito de agüentar esse viver. Mas, uma semana depois, levei outro sabonete do mesmo tamanho e não é que aconteceu o mesmo sumiço. Não precisamos fazer nenhuma análise, não é mesmo?
Frente a esses episódios, não sei o que fazer.Vocês podem me ajudar?
A verdade, meus caros, é que os corredores institucionais em nada se diferenciam das calçadas das ruas das cidades grandes, eles se transformaram em passarelas de uma sala pra outra, onde as pessoas que trabalham naquele local, algumas que até já foram muito amigas, se cruzam, emitem ( ou não) um cumprimento formal, inaudível, e seguem adiante...como se fosse um ato super natural. Não vou aparecer aqui como diferente, eu não tenho vontade de falar com ninguém dessa maneira, é melhor que não nos falemos mesmo.
Mas, vou confessar pra vocês uma verdade interna: eu sofro com isso, eu me sinto mal. Ingenuamente, numa luta interna de crença/descrença, talvez ainda pense ou me esforce pra pensar como Brecht: ”que nunca se diga isso é natural”...


9 comentários:

Anônimo disse...

Amiga, você não está só nesse sentimento. Como você, também sofro com a falta de solidariedade, com a competição, com o individualismo. Devo admitir que também me distancio, que me isolo, que me iludo pensando que quando eu puder, quando tiver tempo, as pessoas vão estar lá me esperando, como o mar, que vai e volta e a gente sempre o acha no mesmo lugar onde o deixamos. Triste admitir as determinações que conduzem uns ä indiferença, outros à crueldade e alguns a roubarem sabonetes.

Mel disse...

Rose , estava lendo um livro do sociólogo Ciro Marcondes e resolvi dar uma parada para ler os meus e-mails e a sua crônica. No livro parei no seguinte parágrafo: “O sistema como um todo é esquizóide – e não se trata aqui de uma simplista e vulgar transferência de conceitos da psiquiatria para a sociologia. É, isso sim, a constatação de que certas categorias patológicas que se encontram nos sujeitos e que derivam do contexto social – a família, o meio, a cultura – são por esses mesmos sujeitos reproduzidas no todo de forma a se tornarem genéricas. Ou seja, a reunião de práticas e modos de pensar e estruturar o real de indivíduos patologicamente dilacerados desse mesmo real produz um conjunto orgânico dessas mesmas práticas, que ganha impessoalidade e se automatiza. Não se trata de uma informação positivista: Não estamos falando aqui da reunião de esquizóides que cria uma “sociedade louca”, mas de uma ética social, de valores pregados e difundidos das práticas dominantes que derivam das relações de homens com seus meios de produção e com os instrumentos técnicos.”.

Tudo a ver!
Beijos.

Anônimo disse...

Oi, Rose,
andei uns tempos sem ler seu Blogorodó por absoluta falta de tempo. Hoje li os 2 últimos.
Quanto ao seu, meu, nosso lado D devo admitir que as situações descritas também me incomodam. Mas de formas diferentes.
O caso do sabonete é realmente abominável. É a velha Lei de Gerson. "Levar vantagem em tudo" ainda está muito em moda no Brasil. Não sei se lá fora é diferente, mas aqui é triste.
Vou contar uma história: Essa semana pedi que a lanchonete me mandasse um lanche e pedi troco para R$ 20,00. Quando a entregadora chegou, vi que não tinha 1 nota de R$ 20,00. Catei moedas e notas de pequeno valor e consegui juntar o suficiente para pagar a conta e dar uma pequena gorjeta. A moça me entregou o lanche e um saco de papel dobrado e grampeado formando um envelope. Na hora não abri. Só após comer abri o envelope. Era o troco dos supostos R$ 20,00. Imediatamente liguei pra lanchonete expliquei que havia ficado com o troco que não me pertencia. Pedi que viessem buscá-lo. A atendente não entendeu logo o que eu falava e ficou surpresa com a minha atitude. Agradeceu muito e mandou a entregadora (agora pegadora) de volta que também só faltou ajoelher em agredecimento. Percebi que elas não estavam acostumadas com esse tipo de atitude. Fiquei triste. Não gostei de ser exceção numa situação que deveria ser obrigação.
Quanto à perda de pessoas (e não só pessoas mas informações, atenções, oportunidade de solidariedade), achou que isso se deve à correria do nosso dia-a-dia. De um modo geral as pessoas não têm mais tempo pra um telefonema, uma visita, um alô! É o trabalho, o mercado, as contas, o dever de casa das crianças (para quem as tem), estamos sempre enrolados com alguma coisa. Acho que não é culpa do ser humano e sim da forma desumana com que levamos a vida.
É isso.
16/03/2008 03:22

Anônimo disse...

Olha Rose, concordo com a posição de Ana Paula, acho que muitas pessoas se acostumam a viver, ou permanecem numa vida desumana. Acredito porém que tudo na vida é questão de escolha e, sobretudo, escolha pessoal. Ao invés de ficar sentada na sua cadeira vendo a chuva cair: transforme-se! É, Você mesma, transforme-se no Hermes dos nossos tempos. Procure saber e transmitir às informações que julgar importantes. Faça uma rede, assim como faz pela internet, mas não uma rede de mails, de depósitos de opiniões e reflexões, mas de presença viva, ou seja, na prática, de um esforço que exige saídas de casa, telefonemas para convites de almoço, lanches, cafés, faça companhia, mostre em ações que você se importa (e como se importa) e, como diria a propaganda, não desiste nunca. Beijos e boa sorte com as lavagens de mão. Ôpa...

Anônimo disse...

Rose:

Estou me sentindo assim também. É uma tristeza miúda e contínua do olhar
de todo dia. Outro dia cheguei no trabalho e uma colega perguntou? Tudo bem?
Eu respondi: dentro do possível, tudo bem. Ela então me disse: É, está difícil
acordar. Se isso consola, essa tristeza está no plural (zinho)
Lúcia Neves
17/03/2008 10:23

Anônimo disse...

Rose:

Aquela resposta foi para o lado D. Estava escrevendo um livro e não li nada
do que você me mandou. Hoje tive uma overdose de Blogorodó. Respondi o primeiro
que abri, aliás, o mais recente e me estusiasmei para ler todos. Estou gostando
cada vez mais do seu estilo. Está solto, leve, direto. Há muita tristeza
e melancolia mas muita dignidade também. Uma ironia fina que me agrada muito.
Não uso o blog porque sou leiga nessas coisas. De qualquer modo, escrevo
para dizer que estou me viciando. Adorei as luvas vermelhas. Ri por dentro
e por fora. Sim, os diálogos são ágeis, teatrais. Um beijo, Lúcia Neves
17/03/2008 10:43

Anônimo disse...

rose, primeiro obrigada por me incluir no seublogger, a tempo recebo e lei tuas reflexões tem ajudado muito.
sou uma pessoa internamente desiludida com tudo que os chamados"humanos"fez e vem fazendo. penso que quem pegar um sabone pegar milhões de toneladas, quem pegar um real pegaria trilhões o que diferencia quem pegar um sabone,milhões de toneladas,um real ou trilhões de reais é o lugar que cada um se encontra...
bem espero que meu raciocino esteja claro.
e tudo isso para te dizer que faz parte desta disilusão e dor.

Anônimo disse...

O que dizer do ser humano?
Que é humano!
Que muitas vezes lhe falta o humano que existe em si. Que muitas vezes lhe falta Visão, que existe em si próprio mas muitas vezes não percebe. Que na verdade, no fundo, lhe falta o Amor que tanto busca.

“Tudo o que precisamos é AMOR!”, já dizia Lennon numa canção. E foi justamente a falta de amor que o matou. A falta de amor do assassino e, quem sabe, dele próprio naquele momento(quem sabe?).
Mas o ser humano também questiona porque tem Amor. O ser humano luta por seus direitos e conquistas, porque tem Amor. O ser humano busca outro ser humano, porque tem e precisa de Amor. E o mesmo Amor que nos faz rir, noutros momentos nos faz chorar(e muito!). Mas tudo isso é o que nos mostra que estamos Vivos e,para continuar Vivos, precisamos Amar.
Deixo pra você (e seus leitores) um poema de Carlos Drummond de Andrade que gosto muito:

" AMAR

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
(...)

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesmo de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita."

Um super abraço da
Margarete Barbosa

Marmota Cultural disse...

Rose, isso não é natural com certeza!
Mas acredito no movimento da evolução constante e eterna.
Uns desacertos , uns desencontros, uns hematômas, mas vivos e capazes de sentir sempre.
Parabens por dar voz aos seus sentimentos.
Adoro isso e sei que funciona e causa eco em muitas pessoas como causou em mim.
Patricia Melo